Geraldo Peres Generoso
A OUTRA LINGUAGEM DA
VIDA
Nós, seres humanos, de
ordinário restringimos nosso
entendimento ao território limitado das palavras. Ante
os desafios que se erguem aos nossos passos na jornada existencial, a
simples redução dos fatos a uma ou um conjunto de palavras parece nos propiciar
uma compreensão que imuniza, ou ao menos atenua o pânico que às vezes se nos
apresenta.
Mantemo-nos viciados ao exercício contínuo da verbalização. Esta condição não vem de hoje ou de ontem.
Infiltrou-se em nossos gens desde eras remotas. Desde o prelúdio da civilização
nos conhecemos como uma humanidade falante. Assim, com o facho da
ciência, as sombras dos fantasmas vão aos poucos sendo espancadas pela
compreensão.
Termos que antes nos
assustavam, em nossa condição de seres mortais, que levavam nossos
ancestrais a fazer o sinal da cruz em gesto de esconjuro, hoje pouco ou quase
nada essas palavras revelam de assustador.
Recordo-me, dos saudosos tempos de meus avós, que à simples
ouvirem menção de doenças como
tuberculose, lepra, se estarreciam. Câncer, então, era palavra
impronunciável. A
linguagem do dia a dia não só nos leva a entender os nossos semelhantes, mas
também nos leva a sentir os que eles nos dizem e a tal reagimos.
Mas quando reduzimos os fatos às suas verdadeiras dimensões,
habitualmenten, através mesmo das palavras, temos o condão de tornar expressos
os nossos pensamentos.
Se imergirmos numa análise mais profunda, as palavras
podem tornar-se, elas próprias, veículos não só do nosso pensamento e
sentimento, mas igualmente se podem
traduzir em sondas sonoras do mais íntimo de nosso coração um entendimento
passível de ser expresso.
Há uma
Linguagem Além das Palavras
Diante de certas fatalidades, contudo, a nossa
fala não consegue espelhar nosso
sentimento ou raciocínio . Obviamente, situando-se além do território usual das palavras, não pertencem ao nosso entendimento
restrito ao código do falar e ouvir. Há ocasiões sobre as quais nada podemos
dizer, senão conjeturar e a tais evidências mudamente nos rendermos.
Assim é com relação à morte.
A maioria de nós não a entende. E ainda que isto fosse possível, o preconceito que ela nos sugere
nos faria retroceder sobre os próprios passos nessa sondagem. Seus parâmetros
são totalmente opostos e
intransponíveis. ,
Ao referir-se a essa realidade, Jesus Cristo comparou-a
com um muro intransponível entre os mortos e aqueles que ainda persistem
na labuta terrena. Transcorridos tantos anos de
progresso, séculos de pesquisas e invenções por parte da ciência incansável. E
nada... só o silêncio se faz cúmplice dos túmulos emudecidos, segregados do
convívio da cidade que prossegue no seu bulício de lutas, nas suas esperanças e
ilusões.
O pouco que cada um sabe sobre essa evidência, que se dará
não se quando nem onde, resulta no que
cada qual quiser acreditar.
Há
até os que duvidam da existência de algum porto além dessa solitária travessia.
Mas, no íntimo desses céticos questionadores, se bem analisarmos - não
exatamente a pergunta que formulam, mas o modo pelo qual a apresentam -
contatamos que, no fundo, eles anseiam
por uma prova, anelam por uma demonstração cabal que evidencie a vida
além-túmulo.
Aspiram, igualmente, por uma ressurreição que a sua lógica não
lhes permite conceber. No entanto, como podemos afirmar sem receui, para a
própria morte temos em nosso íntimo um
entendimento, o qual o burburinho do mundo nos impede sentir.
A situação de
ente encarnado não comporta esse perfil de raciocínio, até por um processo de
imunidade natural. Há, inobstante, uma linguagem implícita que fala ao coração
de cada alma da face da terra. Mormente aquelas que trafegam por mais tempo
jungidas ao veículo carnal.
Esta asserção não implica na necessidade de
adentramos no controverso religioso, nem mesmo no filosófico.
Basta
tão somente observar o processo do pensamento, sentimento e suas conseqüentes
reações.A experiência nos revela sobre a circunstância de alguém que vê o
desenlace de uma pessoa querida.
O sentimento de perda depressa se revela como uma dor moral.
Num primeiro momento, a pessoa insiste em buscar nas palavras uma resposta ao
porquê dessa fatalidade. Principalmente porque ela não satisfaz a sua própria
lógica, nem mental nem emocionalmente. Sequer apresenta ingredientes para
qualquer explicação à luz da razão pura e simples.
Porém, nossa aprendizagem abrange um terreno muito maior do
que aquele em que nos mantemos acostumados, acorrentados às palavras. Passados
os primeiros momentos desse temporal, em que se absorve a sensação de perda, o
indivíduo, se já um tanto maduro, racionalilza a questão em uma abrangência
muito mais profunda.
Nesse enfoque que brota do íntimo afloram lições das quais
ele não tinha consciência. Já viveu outras vezes essa situação; já soube por
diversas vezes sobre pessoas que partiram deste mundo para o outro.
Essa experiência, muito mais do que palavras ditas ou
escritas, está ali em sua mente e em seu coração. O silêncio - a meditação, um
pouco de desligamento deste mundo ruidoso e veloz, fará aflorar estes ensinamentos
de alto preço, colhidos na dor que ensina no mais profundo a cada coração.
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