Mais um pouco da bisavó D.Eduvirges
Já nos primeiros albores da
infância o indivíduo sente o inevitável desafio de entender, sem jamais
conseguir, o mistério da Morte. Quando
uma criança vê passar pela transição uma pessoa querida, parcialmente se faz
por acreditar que a pessoa falecida “foi para o céu”. Pelo menos era assim no meu tempo, em que dávamos
crédito aos nossos avós, pais e ascendentes em geral.
Em minha experiência pessoal,
ainda menino, lembro ter ouvido (e fiquei intrigado) com a informação de minha
professora Zenaide. Essa que foi uma das minhas primeiras mestras na escola da
fazenda onde eu vivia, mencionou o fato que no Japão o nascer e o morrer
gozavam de interpretação oposta à de nós, brasileiros. Os japoneses, segundo
ela, choravam quando nascia um bebê e festejavam a morte como uma bênção de supremo
alívio. Sim, em oposição à vida, que é sinônimo de luta, no estar neste
mundo de constantes desgostos e
incertezas, quer em maior ou menor grau.
Por minha própria índole, e por
conviver muito de perto com minha bisavó Edwiges Brasília Franco – curadeira,
parteira, conhecedora de “rezas bravas”, sempre me vi mergulhado em indagações
sobre o que viria ser a morte. Pela idoneidade de minha bisa, mulher
hipercorreta em tudo e de uma disciplina de vida que nunca vi igual, eu cria
piamente (e até hoje não duvido) que ela conversava com anjos de guarda, e com
o que ela dizia serem “almas de outro mundo”.
Todo o rico misticismo de minha bisavó Edwiges ( popularmente
conhecida por Dona Eduvirges na linguagem da maioria de seus e suas
consulentes) era absolutamente isento da influência de qualquer literatura.
Pois só assinava o nome com o polegar. Era ecumênica ao jeito dela, mas
acreditava nos santos (como emissários encarregados das bênçãos de Deus), mas
não questionava os não-católicos e até tinha fama de ser espiritista.
Pois bem, quando se tratavam de
questões mais simples envolvendo espiritualidade, ela permitia que eu ouvisse
as orientações que ela dava às pessoas que a consultavam. Isso até me despertou
uma irrealizada vocação de ser, como ela, um curador, benzedor, conhecedor de
rezas bravas que evitavam peões cair de burros bravo e até mesmo libertar
presos já condenados e fechados em suas celas.
À medida que cresci, estudei
até certa altura da vida, li muito sobre misticismo, fui freando algumas
crendices com conhecimentos científicos, até chegar ao ponto de considerar que
o verdadeiro mistério para o ser humano não é a morte, mas a própria vida.
Pelo menos em termos físicos,
todos os falecidos se igualam. Não há mistério a se extrair de um corpo sem
vida. O mistério já se fora com a vida que o deixou.
E o que é a Vida? Alguns
destinados a atores numa peça teatral de final imprevisto mas inevitável. Ao
contrário da morte (que São Francisco de Assis chegou a chamar de irmã) a Vida
é uma sequência aparentemente infindável de problemas e desafios. De dores
físicas, psíquicas e morais de toda ordem.
E ainda assim, que o digam os
profissionais de saúde, mesmo os mais debilitados, castigados por um viver
inspirador do pior sentimento humano que é o dó, dos seus coetâneos, tudo fazem
para, bem, mal ou pessimamente, continuar a viver.
Não se incluem aqui os
suicidas, que infelizmente é um caso à parte e, em pleno século 21 tem seu
número crescido de forma assustadora nas estatísticas.
O que posso concluir é que a
vida é um mistério que inexplicável que nos seduz e, a morte, um mistério que
assusta, mas em breve se desfaz diante das tantas requisições da nossa
existência. Dos compromissos de nos manter vivos, que nos absorve e, enquanto
enredados nessa tarefa de vivência ou sobrevivência, a morte sai de foco e se
aninha na literatura, nas histórias (cada vez em menor número nos dias atuais).
Na realidade, contudo, cada um
de nós deve ter em conta essa realidade inevitável, incerta de que chegará o
nosso dia, noite ou madrugada que chegaremos ao final desta experiência
teatral. Cenas de pouquíssima comédias, de alguma tragédias e de uma rotina da
qual relutamos por não nos cansar.
Os ateus, creio eu, são os mais
despreocupados com o que virá (se vier) depois desta vida terrena. O legítimo descrente diz e repete que “morreu,
acabou”. Aí, para eles, é um não-ser
desobrigado de tudo e, curiosamente, conheço alguns que, pela interpretação que
expõem, acham que ao morrer atingem o “nirvana”, o nada paradisíaco, alheado a
todas as lutas de que o viver é tão farto e de venturas tão avaras.
Isto coincide com a filosofia
TAO chinesa, de que no extremo do calor começa o frio e vice versa. A extrema
descrença não deixa de ser a crença num Paraíso, à prova de todo sofrimento,
tanto quanto o crente que acredita no céu, onde sua alma viverá eternamente.
Geraldo Generoso del Brazil |
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