Dos tenros anos vividos no calor dos
bancos escolares, guardei e resguardei o mais que pude o melhor desse tempo de
minha vida. Como
rebroto vigoroso que rebenta em plena florescência, a vida não se resumia num
simples ver o tempo passar. A mocidade nos faz incendiar as calorias. Até
mesmo, e principalmente, as do coração.
Em meus
apenas 18 anos, ainda na descoberta da magia
do amor, o mundo se me fazia encantado ao redor.Principalmente ornado
por uma adolescente, em seus trajes de saia azul e blusa branca, bem ao feitio
de uma canção que ia dando lugar a outras da então "Bossa Nova".
Todas as
músicas me falavam da musa jovem e querida, tão sem igual naquele amor tão
simples. Havia canções a mencionar a "garota papo-firme"; "detalhes",
e tantas outras. Eu me perguntava como era possível o Roberto e Erasmo Carlos,
o Wanderley Cardoso , ou mesmo o Odair José
compor músicas tão coincidentes com os meus sentimentos de então.
Ao ver a Zenaide, - e sempre a via, favorecido pela condição de vizinho, - o coração disparava e a voz não saía. Era o amor acontecendo sem acontecer nada, sem ficar ou sair com ela.Ainda assim ,eu experimentava aquele sentimento estranho de a considerar a minha alma-gêmea. Tudo nela se revelava em graça e ternura:- a voz, o andar, os trejeitos e os olhares furtivos, o modo brejeiro adivinhando ou ciente de quanto era querida.
30
Anos Depois...
Um belo dia, em viagem com meu amigo Hélio Brisola, retornei à cidade onde estudei e debutei o coração nas artes de Cupido. Trinta anos se foram desde que deixei aquele lugar. Já mal conhecia as ruas, apagadas de minha memória.
Como o carro apresentasse um defeito na correia de ventilação do gerador, optamos por perguntar a alguém sobre a possibilidade de, naquele domingo, encontrar, de preferência por perto, um mecânico que nos consertasse o veículo.
Uma
mulher, do outro lado da rua, mantinha-se de costas para nós enquanto
consultava os trocados da bolsa para pagar um sorveteiro. Ao seu lado três
crianças, na faixa dos 4 a 6 anos de idade. Chegamos para mais perto à busca da
desejada informação.Conferi nas feições algo que me afirmava ser Zenaide. A
Zenaide que agora o perpassar do tempo me devolvia, despida de todos os
atrativos, a falar com as crianças em tom suave e meigo, que só ela sabia
expressar :
-
Julinho, olha a rua. Cuidado. Marisa, você está derramando sorvete no vestido.
-
Vovó, esses homens querem falar com a senhora.
Era a
Zenaide, agora avó, que o tempo cobriu com as marcas de que é useiro e vezeiro.
Olhei
pelo retrovisor. Tentava, talvez, enxergar o passado que se evaporara de
repente levando a colegial e devolvendo uma anciã.
Vi apenas
meus cabelos ralos e igualmente brancos, como se minha face se postasse a uma
janela para constatar no que resultaram
minhas moças ilusões. Desci
do veículo e cumprimentei-a . Mencionei o que desejava e ela nos informou:
-
Meu marido é mecânico . Até se aposentou e agora é autônomo. O difícil será
tirá-lo do televisor, mas ele vai dar um jeito pra vocês.
O bom velhinho, meu ignorado rival, nos deu expedita solução no conserto do veículo.
Na despedida, numa imensa saudade de Zenaide, ou quiçá, de mim mesmo, senti rolar grossas lágrimas e me indaguei :
O bom velhinho, meu ignorado rival, nos deu expedita solução no conserto do veículo.
Na despedida, numa imensa saudade de Zenaide, ou quiçá, de mim mesmo, senti rolar grossas lágrimas e me indaguei :
- Quem
disse que o passado não volta ?
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Geraldo
Generoso é escritor. E-mail
braunaster@gmail.com