TEXTO IMPRÓPRIO

 PARA MENORES DE 90 ANOS
Geraldo Generoso- Brasil
A vida, de vez em quando, bem que merece algumas palmadas. A própria Natureza, às vezes mãe, às vezes madrasta, também em certos momentos requer algumas certeiras aplicações da nossa palmatória, ainda que feita tão só com tiras de palavras que retiramos de nosso próprio couro.

            Este mistério vital, entre o tédio e a dor, não pode ser desconsiderado de nosso inventário pessoal, familiar e social. Agir assim, pura e simplesmente, não se resume apenas em ingenuidade perdoável , senão que em alienação irremediável.

            Não me refiro a este tempo e a este lugar. Em todos os  tempos e em todos os lugares, a vida pôs e  põe cobro de cuidado  incessante. É um S.O.S insistente, a acender de quando em quando a luz vermelha de um ou outro perigo. De uma ou outra reivindicação, frequentemente superiores às nossas forças de costume.

            Já disse alguém “o perigo existe”. Não há como negá-lo. A cada passo temos que correr ou chutar, no mais das vezes, para que o mundo veja que ainda estamos vivos. Alguns buscam a religião, outros perfilam entre os ateus e o mundo, nem por isso, deixa de chorar por seus mortos e, ainda mais, por seus vivos.
            Assim é o cotidiano de todos esses quase 7 bilhões de pessoas neste mundo que envelheceu e, não obstante, antes de chegar ao juízo parece ter se dado à caduquice. Hoje se diz Mal de Alzheimer e outros nomes  científicos, numa era em que a ciência faz mágicas,  mas, na realidade, não resolve nem e menor parte dos dramas de nossa humanidade.

            Diz o poeta Ferreira Gular que “é preciso a arte, porque a vida não basta”. De pleno acordo com o grande mestre, que arranca lascas de poesia da dimensão de concreto que interpreta a vida, sem qualquer ponta de eufemismo, ainda que não seja ele o que se possa chamar um  pessimista.

            Wil Durant, filósofo americano do século passado, autor de Mansões da Filosofia, que podemos apostar seguia uma linha filosófico-poética aos moldes de Platão, afirmou com muita propriedade, ante a crueza da vida: “só nos resta criar a beleza que nos mata”.

            Sim, porque até quando nos dispomos à criação de belezas, em qualquer modalidade de arte, o tempo nisso empregado também conta a nosso débito, subtraído da existência,  de forma incontornável e irremissível. Bom, tudo isto aqui exponho, tão só como cópia da “vida como ela é”, de que se ocupou em outros enfoques o nosso grande Nelson Rodrigues, mas não paro por aqui, em respeito ao leitor a quem sempre costumo oferecer as três taças de minha argumentação: Tese, Antítese e Síntese.

            Até aqui veio a tese, que nada tem de original.  Absolutamente nada, apenas mudam os personagens, mas o enredo crucial é o mesmo para todas as pessoas deste mundo. Talvez porque hoje foi uma tarde farta de notícias indesejadas e, pior que isso, de males crônicos que achacam pessoas ao nosso redor.

            De repente procuramos notícia sobre um tio. Digamos que seja o  Tio João. Um paredão aparente por toda a vida. Dele nos vem a informação de estar, tudo fazendo para ser feliz, sobre uma cadeira de rodas. Do marido de uma sobrinha, jovem ainda, não vem algo melhor: está com câncer metástico e os médicos não oferecem qualquer esperança de cura ou mesmo melhora.

             Não propago desditas, mas elas são insistentes em visitar este ou aquele dos nossos entes queridos. Quando não, vem a morte e leva-os ao permanente desaparecimento. Não é preciso alongar-me mais, pois a vida realmente merece umas palmadas, já que tantas  nos dá ao correr de si.

           Sempre que me explodem na mente estas considerações, ainda que incontestáveis, o que me conforta (e pode confortar qualquer pessoa) é que nada é definitivo. O Universo permanece a caminho, e a tudo muda de um momento para o outro, de acordo com os dias e as estações.

            Por essa dinâmica, cada qual de nós prossegue pelos seguidos  ultimatos da vida a tentar acertar, não importa se através de nossos acertos ou até mesmo de nossos próprios erros. Tudo é muito relativo em quase todas as coisas.  Um dado,contudo,  a ser considerado é que todas as dores se apagam. Não estou dizendo que cicatrizam apenas. Elas morrem, sim, e desaparecem por inteiras de nosso coração, ainda mesmo naqueles mais masoquistas dentre nós.

            No rebite do argumento usado para contrapor ao que, até com razão, alguns leitores podem me tachar de pessimista ou fatalista, me baseei nas belas e doces palavras do poeta indiano (Prêmio Nobel de Literatura de 1913), em seu livro “O Significado da Vida”.

            Ele até admite que o mundo tenha sim seus aspectos infelizes e dolorosos, mas nada está estático, tudo está em movimento, portanto as coisas que parecem ser, só são assim sob a égide do tempo que transcorre, o que as faz efetivamente temporárias.

            E arremata, de forma belíssima,  :  “nas investidas das negras  aves de rapina pelo céu , elas jamais  conseguem  deixar  uma mancha a persistir no eterno azul do firmamento.”

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