Loucura
Crônica de Claudia Sarti
Da
primeira vez eu estava longe, apenas soube como foi, as cartas repetitivas,
religiosas, apelativas, recheadas de chantagens emocionais.
Eu não vi dessa
vez, mas foi duro, quando cheguei , já estava presa. De tranças, eram duas, caídas uma de cada
lado do pescoço, não muito longas, meio durinhas. Os cabelos ainda não
totalmente grisalhos, só de começo.
Um portão pequeno se abriu e ela me viu,
riu e chorou ao mesmo tempo, estava mais magra, disse: É
minha filha! Pensei que fosse minha mãe!
Convidou-me
a entrar, como se eu a estivesse visitando-a em sua própria casa... Como se há
tempos não morássemos juntas.Ofereceu
o que havia, água e mamão. Eu não quis, e trêmula esbarrando a colher nas
bochechas, conseguiu enfiar uma colherada da fruta na boca.
Ainda sinto o
cheiro. Foi doce vê-la rindo, foi triste vê-la ali, no meio da cidade dos
lamentos. Misturada nos remédios, impregnada é o termo na linguagem científica.
Certo
dia depois da visita houve uma história. Por um desentendido com uma colega
acometida com o mesmo mal, havia mudado dequarto.
Diz ter sido sorte, na
verdade um verdadeiro milagre. A fumante trancara a porta por dentro e ateou
fogo ao colchão, só sobraram cinzas, o pequeno e desfigurado corpo foi visto
pelas outras sendo
tirado do quarto ainda quente e cheirando fumaça.
Teve
sorte, Agradecia emocionada olhando para o céu não estar no
quarto que pegara
fogo, pois a mantinham amarrada,
nã conseguiria fugir.
__
Obrigada senhor, obrigada senhor!
Outras
e outras vezes mais. Aventuras deprimentes... Desventuras
Certa
vez ficou amarrada três dias.
A corda passava nas axilas, só falava loucuras,
ninguém a ouvia,
muito menos aquelas enfermeiras militarescas e mal-educadas
ouviriam, deixaram-na lá, minguando, chorando, implorando a
Jesus, ao bom senso
que há muito à abandonara e que os presentes
esqueceram de trazer para o
trabalho.
Quanto mais forçava, mais os nós se fechavam.
O sangue pisou, as
cordas entraram na carne e ali ficaram enterradas. Três dias, três longos dias.
São grossas as cicatrizes, e ela parece guardar orgulho de ter aguentado.
Existem
coisas que não possuem medida na tristeza.
Mas,
por mais incrível que pareça houve às vezes engraçadas. É teve sim, subiu no
telhado do sobrado da casa da Rua Pitangueiras, em São Paulo no bairro
Mirandópolis.
Falava com o sol e com ele brindava o nascer do dia, foi lá para
cima, limpar o telhado do sobrado comprido, imagina só, varrer o
telhado, que
loucura...de lá de cima viu o sujeito estacionar um
corcel marrom, antigo.
_ Nossa! Indignada gritou, que sujeira! Alem
de estacionar em
frente a minha
casa, em frente a minha garagem, vem
com esse
carro imundo?! Ah não, exclamava aos berros, e desceu, munida
de
panos, baldes e sabões. Lavou todo o carro, até por dentro
porque o infeliz, ou
feliz, havia deixado a porta aberta, lembro dele
chegando:
__
O que é isso aqui? E é lógico que teve muuuuitas explicações e
quase que os
argumentos não acabavam.
Os tapetes do carro na calçada, não houve saída, só restou a ele
esperar a minuciosa limpeza do seu carro.
Outra
vez, depois de cinco dias sem comer, sem beber e quase sem
piscar, o coma. E
outra dançando na chuva, carregando o piano,
trepando na geladeira. É assim, é
loucura, e por vezes me pego
amando-a.
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