LOUCURA E CARINHO

A rigor, um blog se destina a ser um repositório de confissões e desabafos pessoais. Ou, pelo menos, entende-se como válidas as descrições e narrativas com alto teor de subjetividade. No entanto, nesta oportunidade, abro um parênteses para acolher aqui nos meus Alfarrábios um texto interessante e profundo de uma pessoa muito especial como escritora, e que por deferência especial me chama de "Professor": Refiro-me ao texto LOUCURA, de Claudia Sarti. Ei-lo. Podem aplaudir e compartilhar. 

Loucura

Crônica de Claudia Sarti

Da primeira vez eu estava longe, apenas soube como foi, as cartas repetitivas, religiosas, apelativas, recheadas de chantagens emocionais. 


Eu não vi dessa vez, mas foi duro, quando cheguei , já estava presa.  De tranças, eram duas, caídas uma de cada lado do pescoço, não muito longas, meio durinhas. Os cabelos ainda não totalmente grisalhos, só de começo.


 Um portão pequeno se abriu e ela me viu, riu e chorou ao mesmo tempo, estava mais magra, disse: É minha filha! Pensei que fosse minha mãe!


Convidou-me a entrar, como se eu a estivesse visitando-a em sua própria casa... Como se há tempos não morássemos juntas.Ofereceu o que havia, água e mamão. Eu não quis, e trêmula esbarrando a colher nas bochechas, conseguiu enfiar uma colherada da fruta na boca. 

Ainda sinto o cheiro. Foi doce vê-la rindo, foi triste vê-la ali, no meio da cidade dos lamentos. Misturada nos remédios, impregnada é o termo na linguagem científica.


Certo dia depois da visita houve uma história. Por um desentendido com uma colega acometida com o mesmo mal, havia mudado dequarto. 


Diz ter sido sorte, na verdade um verdadeiro milagre. A fumante trancara a porta por dentro e ateou fogo ao colchão, só sobraram cinzas, o pequeno e desfigurado corpo foi visto pelas outras sendo
tirado do quarto ainda quente e cheirando fumaça. 


Teve sorte, Agradecia emocionada olhando para o céu não estar no

 quarto que pegara fogo, pois a mantinham amarrada, 

nã conseguiria fugir.

__ Obrigada senhor, obrigada senhor!
Outras e outras vezes mais. Aventuras deprimentes... Desventuras
Certa vez ficou amarrada três dias.

 A corda passava nas axilas, só falava loucuras, ninguém a ouvia, 

muito menos aquelas enfermeiras militarescas e mal-educadas 

ouviriam, deixaram-na lá, minguando, chorando, implorando a 

Jesus, ao bom senso que há muito à abandonara e que os presentes 

esqueceram de trazer para o trabalho.


 Quanto mais forçava, mais os nós se fechavam. 

O sangue pisou, as cordas entraram na carne e ali ficaram enterradas.  Três dias, três longos dias. São grossas as cicatrizes, e ela parece guardar orgulho de ter aguentado. 

Existem coisas que não possuem medida na tristeza.


Mas, por mais incrível que pareça houve às vezes engraçadas. É teve sim, subiu no telhado do sobrado da casa da Rua Pitangueiras, em São Paulo no bairro Mirandópolis.


 Falava com o sol e com ele brindava o nascer do dia, foi lá para 

cima, limpar o telhado do sobrado comprido, imagina só, varrer o 

telhado, que loucura...de lá de cima viu o sujeito estacionar um 

corcel marrom, antigo.


 _ Nossa! Indignada gritou, que sujeira! Alem de estacionar em

 frente a minha casa, em frente a minha garagem, vem com esse

 carro imundo?! Ah não, exclamava aos berros, e desceu, munida 

de panos, baldes e sabões. Lavou todo o carro, até por dentro 

porque o infeliz, ou feliz, havia deixado a porta aberta, lembro dele

 chegando:


__ O que é isso aqui? E é lógico que teve muuuuitas explicações e 

quase que os argumentos não acabavam. 

Os tapetes do carro na calçada, não houve   saída, só restou  a ele 

 esperar a minuciosa limpeza do seu carro.



Outra vez, depois de cinco dias sem comer, sem beber e quase sem 

piscar, o coma. E outra dançando na chuva, carregando o piano, 


trepando na geladeira. É assim, é loucura, e por vezes me pego 


amando-a.

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