-
Não, seu
Antônio! Desista disso! Esqueça o que
passou! Para que vingança, seu Antônio – insistia Paulo desesperado, vendo a
inutilidade de seus argumentos face à implacável decisão do colega.
-
Ah! Essa
é boa! Não foi com você, né? É fácil falar para me esquecer! Eu, hein? Jamais
esquecerei a humilhação por que passei! Se não fosse a minha sogra – justamente
a minha sogra...
-
Sim, seu
Antônio! Eu já ouvi essa sua história. – Atalhou Paulo aparentando calma.
-
História não,
Paulo ! – berrou o amigo! História, não! São fatos, Paulo! Chagas que
trago aqui, neste coração humilhado, sofrido e que clama por vingança, Paulo! –
disse o amigo aos berros. – Ah! Se não fosse a minha sogra. Meus filhos teriam
morrido de fome! – Suas palavras ecoavam num tom alucinado.
-
Mas não
morreram, não, seu Antonio. O importante é que todo esse seu drama já passou. O
senhor mesmo sempre me diz que seus filhos estão todos bem de vida – atalhou o
interlocutor, mesmo ciente de que palavras pouco valeriam para aquela alma
atribulada.
-
Paulo,
nada de panos quentes! Você sabe muito bem o que aqueles americanos me fizeram!
Será que preciso contar-lhe toda a história novamente? – indagou seu Antonio
erguendo o indicador em riste por sobre quase o nariz de Paulo.
-
Pelo
amor de Deus, seu Antônio. O senhor já me contou essa história um milhão de
vezes. Para com isso, seu Antônio! Deixe dessa besteira, para não se arrepender
depois – obtemperava o amigo na tentativa de encontrar uma calma que já não possuía.
-
Não,
Paulo! É hoje que vou me vingar daqueles americanos! A bomba está aqui, Paulo.
Embaixo da minha cama, Paulo!
Os
olhos de seu Antônio fuzilavam em sua munição, vermelho de ódio. Um ódio
incontido, pronto a explodir na face como a prometida bomba para a qual
apontava com os lábios!
-
Seu
Antônio! Seu Antônio! Bomba? Logo cedo assim? Ainda não bateu sete horas e o
senhor começa o dia com intenções de vingança e morte? – exclamou Paulo, indignado.
-
Pois é,
Paulo, há aqui uma bomba-relógio! Morreremos, mas nos vingaremos daqueles
trustes safados e desalmados! Ah! É isso mesmo, até me disseram que este prédio
aqui também é deles, Paulo! É deles! Mas daqui a cinco minutos tudo isto irá
pelos ares e se tornará num monturo imprestável. – falava em gestos largos, e
em mímica apontava para o chão tentando enfatizar com as mãos o estrago que em
breve iria fazer. Para arrematar ,pisoteava o chão com ímpetos de uma fera.
-
Epa ,
seu Antônio! Então vamos correr! Quem sabe escaparemos dessa sua bomba. Qual o
alcance dela? – indagou Paulo com o rosto apalpado pelas mãos e voz quase
sumida.
Só
restou a Paulo abrir uma carreira em direção à saída. Seu Antônio fez o mesmo,
só que a repetir a mesma velha cantiga marcial :
-
É hoje! é hoje o dia de acertar as contas e
mostrar para aqueles americanos quem sou eu! A justiça tarda, mas não
falta! - Murmurava o idoso subversivo em frases entrecortadas pelo cansaço daquela
maratona compulsória.
Paulo
sabia que seu Antônio encontrava-se
empenhado, nos últimos meses, na confecção de um bomba. Pelo menos assim dizia e reiterava o companheiro, sempre a bater na mesma tecla.
O que Paulo não entendia era o fato de ser eleito, justamente ele, como kamikase para uma causa duvidosa e alheia.
Enquanto caminhavam, já quase sem
fôlego, seu Antônio insistia em justificar seu gesto extremado naqueles presumíveis últimos instantes antes da bomba:
-
Paulo,
não é justo o que aprontaram comigo! Dei meu sangue naquela multinacional!
Acostumaram-me a uma vida faustosa, cheia de luxo e conforto, gordas diárias em
hotéis internacionais! Carro do ano, conta bancária bufando no banco e por aí
afora.
-
Enquanto
corriam, quase a pôr os bofes para fora, seu Antônio esforçava-se por se manter
bem perto do interlocutor, próximo ao seu ouvido, e prosseguia com sua arenga:
-
Aí,
Paulo, me encostaram como um traste inútil ! Como um lixo, Deus que me perdoe
falar. O que me restou foi uma mísera
pensão que nem dava para comer. Ah – explodiu num grito – se não fosse a minha
sogra, meus filhos teriam morrido de fome.
Paulo,
não só para se proteger da eventual bomba de seu Antonio, como para
manter distância de suas palavras desatinadas, deu velocidade às pernas
e retomou o fôlego, enquanto o revolucionário repetia as mesmas queixas e
bravatas, em passo acelerado.
-
Talvez
esta bomba não chegue até aqui – pensou Paulo – numa pausa para restaurar o
fôlego. – O jeito é esperar e seja o que Deus quiser...
Haviam
corrido bastante. Ambos suavam de bica. Passaram pela horta sem respeitar os
canteiros de verduras, levaram no peito algumas estacas dos tomateiros e quase
ganhavam a rua, quando seu Antonio gritou com as forças restantes de seus
pulmões:
-
É agora,
Paulo, que esta espelunca vai pelos
ares!
Eis
senão quando ambos levam uma séria reprimenda. Ramiro, vindo em direção aos
atletas, chama-os em tom áspero, com inapelável
autoridade;
-
Voltem
já para o quarto ! Tirem esse pijama !
Venham para o refeitório e depois tomem o rumo da Sala de T.O
.(Terapia Ocupacional).
Não foi dessa vez que o hospício explodiu. Após o café da
manhã, seguiram para o imenso salão de Terapia Ocupacional.
Lá, Antônio,
vestido de jeans e uma camisa Made in USA dos seus bons tempos de
executivo, continuou entretido na confecção de
sua bomba contra os ianques.
(Este conto de Geraldo Peres Generoso
foi premiado, na década de 1980 pela Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras de Cornélio Procópio, Brasil)
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