Só raramente coloco na pauta deste blog algumas passagens de minha vida. Procuro evitar ser subjetivo o quanto posso. Porém, sempre que escrevo textos desse jaez - mais pessoais, da minha própria vivência - constato maior número de visualizações.
Porque o blog é, em termos relativos, sinônimo de Diário, por um certo tempo vou repassar alguns episódios deste meu tempo de vida,
Contar sobre bater, apanhar e empatar e, creio eu, sem qualquer pretensão, que pode muito bem servir aos mais jovens, pois já estou à beira dos setenta e, inevitavelmente, pode coincidir que - sem desejo de dar lições quaisquer -, possam estes alfarrábios servirem a algumas pessoas que porventura venham a lê-los.
Sucede comumente aos escritores, essa dificuldade para repor em letras, na medida certa, momentos culminantes de felicidade ou desgraça. Pelo menos, isso acontece comigo. Porque a essência do que nos acontece é que é interesse do leitor. Não pode ser mais nem menos.
E, como esses pedaços especiais por que a gente passou se fizeram intensamente interiorizados de forma expressiva, corremos o risco de não saber eliminar detalhes. E o diabo, já se disse muito, mora nos detalhes.
Pois bem. Vamos ao que pode interessar a você, leitor(a):
Já transcorriam 4 anos de minha convivência no primeiro casamento. Estamos em 1982. Como sempre vivi numa cidade pequena do interior paulista, ainda que gostasse muito de ir a São Paulo, a metrópole nunca me atraiu para morar, viver e trabalhar de forma permanente.
A mulher com quem me casei, que nasceu na minha cidade e tinha pais e irmãos aqui residentes, tudo fez para se ambientar ao mundo interiorano. Que, aliás, ela viveu na infância, mas mal deu a juventude foi para a capital paulista.
Esse foi o ponto nevrálgico, que nos levou à falta de comunhão de objetivos. Eu a amava muitíssimo. Ao que parece - não posso jurar porque a vaidade é má conselheira -, ela também, o quanto pôde demonstrar, não era diferente em sua afeição.
O erro de cálculo dela (não sei se de fato ela incorria em incorreção) era o de me achar mais capacitado do que eu realmente era.
Pelo menos, eu pensava assim: ela me supervaloriza e espera de mim milagres e acha que sou um cara muito competente. E que ela acha que, por modéstia ou comodismo, eu não queria peitar São Paulo.
Disso tenho certeza, e ela acabou por me rotular secretamente como acomodado.
Mais pormenores são dispensáveis em favor de você que me dá o prazer da leitura destes meus apontamentos.
Uma tarde, antes de embarcar num busão para São Paulo, ela abriu o jogo para mim sem esconder nenhuma carta.
Assim, de repente. Mesmo depois de um fim de semana, que logo à chegada encontrou flores sobre a mesa de entrada de nossa casa (tá aí na foto parte do nosso rancho).
Mesmo depois de matar a pau a saudade, recente mas doída, ela deixou para despedir, não sem antes lançar esta bomba na minha cara e em todas as minhas partes. Inclusas as íntimas e as pudendas. Além de arrasar-me o coração com palavras de indisfarçável decisão: ACABOU! ACABOU ! ACABOU !
Foi um choque. Não precisava ter repetido essa palavra final. Mas ela disse 3 vezes, com um olhar determinado e irrecorrível.
AH ! NÃO AGUENTEI O BAQUE !
Sobreveio-me um choro incontrolável. Não a acompanhei ao portão. Aliás, por ética e educação eu até deveria ter levado a mala dela até à rodoviária. Mas não o fiz.
Pelo simples motivo de que seria muito cômico um marido, a acompanhar a mulher, entre choros, lágrimas e soluços.
Pelo tanto que as pessoas (e no interior todas se conhecem), e avaliavam, com suficiente razão, que éramos um casal modelo, certamente perguntariam, penso talvez: "quem morreu? " ou algo equivalente.
Eu, que não bebia, tomei um enorme trago de conhaque Palhinha, que tinha em estoque para uma visita, bem vinda e constante, que era o nosso guru político, Coronel Barbosa.
Ah ! Esse velho papo de "beber para esquecer" não funcionou. E vai chorar. E vai eu a chorar, sem controle. Aliás, sabe quando você chora sem ter consciência exata de onde provém aquela irrupção de alma?
Foi assim comigo.Um choro espontâneo, mas tão necessário, que irrompeu assim do nada, e até me surpreendeu.
Ah ! Esse velho papo de "beber para esquecer" não funcionou. E vai chorar. E vai eu a chorar, sem controle. Aliás, sabe quando você chora sem ter consciência exata de onde provém aquela irrupção de alma?
Foi assim comigo.Um choro espontâneo, mas tão necessário, que irrompeu assim do nada, e até me surpreendeu.
E AGORA : O QUÊ VOU FAZER DA MINHA VIDA ?
Desde criança, fui muito influenciado, nas horas difíceis - reais ou imaginárias - por um tio, (Elizeu) - irmão mais novo de minha mãe e pouco mais velho que eu (uns 5 anos, talvez|).
Elizeu Peres, em seu traje usual. |
Na ocasião desse momento da abrupta separação conjugal, eu morava numa casa, que dava para um corredor do então único hotel da cidade.
Meu sogro era uma pessoa bacana, muito liberal. Apesar de ter um espírito bem juvenil, ele era como que meio pai de todo mundo.
Meu sogro era uma pessoa bacana, muito liberal. Apesar de ter um espírito bem juvenil, ele era como que meio pai de todo mundo.
Meu sogro entendia muito sobre a alma feminina. E até por um fator corporativo, certamente teria lá alguma dica para me dar sobre o que fazer naquele momento. Mas ele não estava no salão do hotel. Fui até o quarto dele. Dormia a sono solto, com um de uísque pela metade.
Meio sem saber o que fazer, embora não fosse dado a bebidas alcoólicas, sapequei uma dose do uísque do Alberto para juntar-se ao conhaque que já fumegava na minha cabeça. Não tomei muito não, para não deixar pista de que alguém havia bolinado no uísque vago, ali no criado mudo.
Ao sair pela porta bang-bang do corredor para o salão do hotel, o telefone foi convidativo para falar com meu tio Elizeu, então morador em São Paulo. Ele atendeu de pronto, com o bom humor de sempre, perguntou pela minha mãe e a sobrinhada (ele não tinha filhos) e aí veio com a usual pergunta: "O que você precisa? "
Mas não deixou de observar que eu estava com a fala meio mole, a palavra meio espremida mesmo eu procurando minimizar a dimensão da minha ansiedade. Aliás, um pouco contida pelo duplo efeito do conhaque do coronel Barbosa e do uísque do Alberto.
Contei-lhe o ocorrido, da forma mais resumida possível, só no intuito de fazê-lo conhecer, naquela hora, o meu estado de espírito totalmente arrasado.
Acredito (e não fui o único a captar essa impressão), se meu tio Elizeu Peres tivesse caído na profissão certa seria um médico psiquiatra de mão cheia.
Além disso era um cara que sabia entender os sentimentos e tinha a virtude de sempre conduzir seus argumentos pela via da praticidade, da racionalidade, sem prejuízo do carinho de bem avaliar cada situação.
- Escuta aqui - me disse o tio - sua voz está estranha. Se não estiver bem procure o médico ou chame ele aí para ver o que se passa.
- Não, tio. Não estou com nenhum faniquito não. Estou assim pelo efeito de conhaque e uísque, mas isso passa. É só tomar um café forte. O que não passa é a sensação de me ver cortado pela própria metade do que sou.
- Ah, essa frase é antiga, mas você mesmo já comprovou na sua própria vida, que ela é verdadeira que é uma verdade tão verdade quanto a morte: Tudo passa. Querendo ou não, passa a bebedeira e passa. Vira ressaca, e esta também passa e assim por diante.
- Pois é, o senhor tem razão, claro. Entendo. Mas não consigo suportar a dor dessa chutada. E sei que não tem volta. Você não sabe o quanto eu amo essa mulher.
- Sim! Eu sei! Amei mais de uma e tomei mais de um fora pela vida. Todos doeram, mas todos passaram. Aqueles momentos felizes que você conviveu com ela, esses nunca passarão, se você souber administrar a perda com inteligência. A gente só perde para o presente e o futuro, mas o passado não é uma coisa morta, sem alma. Não! Cultive o que restou de bom e alegre, de momentos que viveu e que ninguém poderá lhe roubar .
Ouvi com atenção e fiquei calado. Aí tio Elizeu foi bem mais duro, frio, aritmético e detonou com aquela minha auto-estima em zero grau:
- Escuta aqui. E presta bem a atenção. Põe em prática o que vou lhe dizer e acorde sua razão para clarear esse pesadelo! Tá me ouvindo?
- Tô, tio. Sou todo ouvidos. Pode falar que vou seguir o seu conselho.
Assim falou Eliseu:
- Vai lá na sua biblioteca e pegue na enciclopédia, Barsa ou Delta, dados sobre a população mundial. A primeira coisa que você vai ver é que há muito mais mulheres do que homens. Entre vários bilhões. Aí você faz uma linha de corte sobre quantas mulheres existem no mundo. Não há tamanho de harém para se comparar. Aí você exclui as mais de 40 e menos de 20 e vai fazendo a conta. Preste atenção na estatística. Você chorando por uma mulher é uma coisa simplesmente ilógica, louca, sem razão matemática para tal. Para com isso. Vai lá fazer a conta e depois me ligue. O mundo feminino é muito rico em quantidade e qualidade. Pense nisso e depois reflita no harém oculto que o mundo te dá e você por ignorância está jogando fora. Tem mais mulher no mundo todo que o tamanho de seu coração e outros órgãos possam amar . E assim concluiu com uma enorme gargalhada: Mendigar pão é até explicável pela falta de trigo, mas mendigar amor não tem sentido algum, pois não depende de nada, é uma safra que nunca sofre qualquer restrição.
Voltei pra casa a me sacudir daquela loucura. Tomei da enciclopédia, fiz o recomendado e tirei um peso dos ombros. Fui para o baile, tomei uns drinques e levei 3 paqueras para casa. Fim da história e do suplício. Começo de uma era matematicamente consciente do valor próprio de ser homem.
Mas não deixou de observar que eu estava com a fala meio mole, a palavra meio espremida mesmo eu procurando minimizar a dimensão da minha ansiedade. Aliás, um pouco contida pelo duplo efeito do conhaque do coronel Barbosa e do uísque do Alberto.
Contei-lhe o ocorrido, da forma mais resumida possível, só no intuito de fazê-lo conhecer, naquela hora, o meu estado de espírito totalmente arrasado.
Acredito (e não fui o único a captar essa impressão), se meu tio Elizeu Peres tivesse caído na profissão certa seria um médico psiquiatra de mão cheia.
Além disso era um cara que sabia entender os sentimentos e tinha a virtude de sempre conduzir seus argumentos pela via da praticidade, da racionalidade, sem prejuízo do carinho de bem avaliar cada situação.
QUANTO VALE UM BOM CONSELHO !
- Não, tio. Não estou com nenhum faniquito não. Estou assim pelo efeito de conhaque e uísque, mas isso passa. É só tomar um café forte. O que não passa é a sensação de me ver cortado pela própria metade do que sou.
- Ah, essa frase é antiga, mas você mesmo já comprovou na sua própria vida, que ela é verdadeira que é uma verdade tão verdade quanto a morte: Tudo passa. Querendo ou não, passa a bebedeira e passa. Vira ressaca, e esta também passa e assim por diante.
- Pois é, o senhor tem razão, claro. Entendo. Mas não consigo suportar a dor dessa chutada. E sei que não tem volta. Você não sabe o quanto eu amo essa mulher.
- Sim! Eu sei! Amei mais de uma e tomei mais de um fora pela vida. Todos doeram, mas todos passaram. Aqueles momentos felizes que você conviveu com ela, esses nunca passarão, se você souber administrar a perda com inteligência. A gente só perde para o presente e o futuro, mas o passado não é uma coisa morta, sem alma. Não! Cultive o que restou de bom e alegre, de momentos que viveu e que ninguém poderá lhe roubar .
Ouvi com atenção e fiquei calado. Aí tio Elizeu foi bem mais duro, frio, aritmético e detonou com aquela minha auto-estima em zero grau:
- Escuta aqui. E presta bem a atenção. Põe em prática o que vou lhe dizer e acorde sua razão para clarear esse pesadelo! Tá me ouvindo?
- Tô, tio. Sou todo ouvidos. Pode falar que vou seguir o seu conselho.
Assim falou Eliseu:
- Vai lá na sua biblioteca e pegue na enciclopédia, Barsa ou Delta, dados sobre a população mundial. A primeira coisa que você vai ver é que há muito mais mulheres do que homens. Entre vários bilhões. Aí você faz uma linha de corte sobre quantas mulheres existem no mundo. Não há tamanho de harém para se comparar. Aí você exclui as mais de 40 e menos de 20 e vai fazendo a conta. Preste atenção na estatística. Você chorando por uma mulher é uma coisa simplesmente ilógica, louca, sem razão matemática para tal. Para com isso. Vai lá fazer a conta e depois me ligue. O mundo feminino é muito rico em quantidade e qualidade. Pense nisso e depois reflita no harém oculto que o mundo te dá e você por ignorância está jogando fora. Tem mais mulher no mundo todo que o tamanho de seu coração e outros órgãos possam amar . E assim concluiu com uma enorme gargalhada: Mendigar pão é até explicável pela falta de trigo, mas mendigar amor não tem sentido algum, pois não depende de nada, é uma safra que nunca sofre qualquer restrição.
Voltei pra casa a me sacudir daquela loucura. Tomei da enciclopédia, fiz o recomendado e tirei um peso dos ombros. Fui para o baile, tomei uns drinques e levei 3 paqueras para casa. Fim da história e do suplício. Começo de uma era matematicamente consciente do valor próprio de ser homem.
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