Análise da Poesia LÁGRIMA DE ARBUSTO


LÁGRIMA DE UM  ARBUSTO
 Geraldo Generoso

As ruas por que  hoje passo,
Num passo inútil à procura
Dos momentos vividos,
Já bebidos
Pelo tempo e espaço,
Onde,   unidos,
Com meu braço no  seu braço
Juntos  íamos distraídos,
De abraço em abraço.

As pedras hoje falam
Com  outros pares,
E para mim se calam,
Nos passos de  outros passantes,
De pés apressados, errantes,
Que ocupam  nossos lugares
De ingênuos amantes.

Hoje,  se transito
Por aquelas árvores nuas,
Sinto-me um proscrito,
Sem ter a minha mão nas suas.

Nem mesmo o infinito
Permanece o mesmo
Sobre as nossas ruas,
Onde sigo a esmo
A conter meu grito.

Um velho  arbusto, num atalho,
Quase me reconhece na cadência
Do passo sozinho, quase incerto e falho
Nesse meu desfile de reminiscências;
E eis que respinga uma lágrima  de orvalho
A chorar por mim  a sua   ausência.

Um pouco da história desta poesia
Cada vez que releio este poema visualizo momentos reais, com sentimentos vivos que remexem o coração, a alma, o espírito, tudo !  Eu fico até a duvidar que o passado seja passado, algo que sem vida e desaparece entre os dias que são tragados pelas noites que os sucedem.
      Esta poesia ressuscita um sentimento tão peculiar, de forma tão viva, ardente, que parece decantar lá no fundo do meu ser, a tal ponto que  me sinto transportado para aquele momento em que estas palavras explodiram suavemente no meu peito.
      Aliás, por aquele tempo dessa primeira e única e real namorada de minha vida, e põe vida nisso: 52 anos já se passaram - nada havia de tão extraordinário exteriormente, mas de intensa vida interior e de uma rotina simples, repetititva, mas jamais cansativa. Tanto assim que, a cada recordar as mesmas emoções rebrotam de forma nítida, cristalina, viva, até com com gosto de eternidade. 
      Era uma caminhada longa até o cinema para assistir qualquer filme, que sempre era ótimo por ela, não propriamente pelo filme em si. 
      Analisando bem, eu nunca entendi - nem hoje consigo entender o porquê daquele amor tão peculiar que eu era levado a pensar que talvez não houvesse um sentimento equivalente àquele que eu sentia por ela, no coração de nenhum ser humano enamorado. E engraçado que não era paixão, não era atração sexual, não era conveniência de qualquer tipo. Nada disso. Concluo e repito que, por não poder explicar, era amor mesmo. Único, absolutamente inexplicável.  Com ou sem palavras era amar de verdade, no sentido mais pleno da palavra.
         Até hoje não entendo como, ela sendo tão simples, e tão natural ( e talvez por ela ser tão natural, tão transparente, tão ela e ela só) eu sofria tanto a concorrência de outros jovens de nossa idade (18 anos em 1966).
        E foi daí, talvez de minha insuficiente autoconfiança, até evocando uma lógica absurda de que quanto mais tarde eu a perdesse maior seria o sofrimento de não mais tê-la como namorada, que,por essa insensatez, decidi terminar com o relacionamento. 
      Contudo, nunca experimentei na vida arrependimentoo maior por essa loucura, pela qual até hoje ainda sinto doer no mais fundo da alma.
      Uma noite, já desfeito do meu sonho que eu mesmo tolamente desmanchei, perdi o sono na madrugada. Fazer o quê? Não havia nada a ser feito. Pulei da cama, peguei o carro e rumei para a cidade dela, a 30 km de distância. O quê eu iria fazer? Ir bater à porta da casa dela? Não adiantaria. O que decidi foi, ao chegar à cidade, parar o carro a certa altura do nosso caminho costumeiro de namorados, (aliás, era uma avenida arborizada) - desci e refiz o  trajeto que fiz tantas vezes em sua companhia.  Em plena madrugada me pus a caminhar pela calçada que era nossa, sozinho, sem viva alma na rua, com a madrugada já  distilando um sereno manso sobre um silêncio de tantas e nenhuma pealavra.
        Deixei o carro onde o havia estacionado e fui a pé pelo trajeto, de muitos quarteirões, até o cinema, tentando sentir o ar dos momentos passados, se é que momentos tem ar.  Tudo voltou à memória, a todos os sentidos, sentindo o tato do ar frio, o ruído dos meus passos na calçada, a paisagem tão felizmente familiar, mas sozinho, no sentimento entre cumprir uma penitência e reativr um tempo feliz que, no simples recordar não era a mesma coisa. 
         Cumpri esse ritual. E dele resultou este poema que aqui replico e que até parece uma história banal como a de tantos outros amantes. Não acho que seja assim, é muito forte para ser comum um sentimento como este que me transporta a um tempo que não volta mais.

        







2 comentários:

  1. Muito lindo! Consegui ouvir os passos do caminhante na noite fria...

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  2. Pois é, Vita. Na minha opinião, eu acho que as composições poéticas mais tocantes são aquelas em que se sincronizam totalmente o "Eu pessoal" com o "Eu leterário".

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