Quando acordo na madrugada, aqui neste quarto, a poucos metros da ruidosa rodovia, nada havia para diluir o silêncio, a não o ronco insistente de motores. Vestígios sonoros de veículos de todos os portes:carros, caminhões, caminhonetes, treminhões, motos nervosas a gritar para o nada e para o asfalto.
É muito raro constatar-se uma voz humana. Há sim, bem longe, de forma intermitente mas não tão nítida, os latidos dos cães, talvez a molestar alguns retardatários ou madrugadores transeuntes que demandam para seus afazeres.
Mas, de uns tempos a esta parte, meu coquetel sonoro não é mais o mesmo. Não só motores soam seus rugidos sem alma e sem sentido, pontuando a minha insônia.
Um gato, de alto porte, assenta-se no muro fronteiro à minha janela e entoa miados sucessivos, insistentes e em alto e bom som. A rigor, não sei se é gato ou gata, pois ele faz questão de confirmar o provérbio de que "à noite todos os gatos (e gatas) são pardos."
Ignoro se é a solidão que o faz espremer-se em vozes que inundam as cercanias. Sou mais para acreditar que ele (ou ela) é um bichano romântico, capaz de conquistar companhias com facilildade, pois assim se dá, em poucos minutos após seus galanteios.
Pelo ruído amoroso, em que faz pública sua volúpia contagiante, o felídeo se transforma. Há quem diga que ele esteja às raias da loucura em seu ímpeto de luxúria anunciada.
Os vizinhos têm reclamado do escarcéu habitual que ele provoca em seu dueto erótico.
Da minha parte, cismando para a lua, enquanto o bichano me contempla do pilar do muro, talvez buscando palavras poéticas para chamar o seu par, não me vejo em desconforto ou implicância.
Vozes vivas - como a desse boêmio escandaloso - precisam sim encher as noites e madrugadas. Chega da voz sem sílabas e sem letras de motores anônimos, sempre os mesmos, a insinuar que a vida é breve como uma viagem.
Olho para o bichinho pensativo e tento lhe transmitir um pensamento. Não sei se ele entende, mas presta muita atenção:
- Bichano, continue a ser esse amante caliente. "Se formos castigar os que se amam, o que fazer com os que se odeiam?"
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Belo estilo, prezado. Fui transportado mentalmente para Ipaussu, que conheci em duas oportunidades inesquecíveis. Tenho uma queda especial por cidades do interior, por força da minha antiga atividade regimental. Já percorri várias delas por este imenso país. Saudades!
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