A PRIMEIRA PONTE DA (PRÉ) HISTÓRIA
Os homens primitivos, talvez tenham levado mais tempo para construir pontes por duas razões hipoteticamente plausíveis. Primeiro, as crianças desses nossos remotos avós, praticamente, nasciam nadando. É o que aconteceria até hoje, com grande prejuízo para as academias de natação, acaso algum instrutor pré-histórico houvesse por bem fundar esse tipo de negócio. Para que pontes? Hábeis nadadores, varavam em grupo, de uma margem à outra sem nenhum problema.. Até a criançada acompanhava. Não havia, como hoje, tantos medos que a civilização nos trouxe com relação ao precioso líquido e seus derivados. Sim, o dilúvio foi literalmente um deus-nos-acuda. As tsunamis fecharam o ano de 2004 com grande saldo de mortos em uma dúzia de países, a partir da Tailândia.
Não. Nossos ancestrais, acostumados a cortar as águas no peito e na raça, não deixavam lugar para pensar numa forma mais cômoda de transpor um rio, por maior que fosse. Até porque, e eis aí uma segunda razão de as pontes surgirem muito depois, é que eles não tinham pressa para nada nesta vida. A vida se resumia em viver cada momento sem essa ânsia em chegar ao momento seguinte. Nada de metrô, relógio-ponto, horário comercial e bancário etc. Essa aventura de atravessar de uma margem para outra, a nado, se tratava de um passatempo. Mormente nos dias mais calorosos.
Imagino que eles faziam isso aos gritos a entoar suas canções ao espumejar das águas. Era uma verdadeira festa. Entre esses primeiros terráqueos, um entre eles, mais observador, ao avistar um enorme toco a flutuar, imediatamente percebeu que ali estava uma oportunidade de ficar mais tempo sobre as águas, sem necessidade de usar a força dos braços, dos pés e o fôlego. Foi o bastante nadar até certa altura e dali cavalgar o dorso daquele grande pedaço de pau no caminho fluvial sem trepidação.
Além disso, com as mãos e pés livres do ato de nadar, sobravam-lhes mais olhos para a paisagem ao derredor. Imagino que a tribo ria-se muito diante da inauguração de feito tão estranho. Até milagroso para os menos informados.
Mais adiante deles, presumivelmente alguém mais engenhoso, descobriu que poderia dar direção àquele “toco que nadava”. Assim que subiu a bordo daquele arremedo pré-histórico de embarcação, bateu as mãos em concha sobre as águas. Com grande esforço parecia exercer um domínio sobre a direção da nau em suas primeiras fases de prova.
É interessante notar, embora não possamos jurar, que como deu bom resultado – fosse por instinto de imitação ou por emulação ante esse ignoto pioneiro, outros daqueles nossos distantes avós ficaram motivados em fazer o mesmo. Como tudo (ou quase tudo) era feito em grupo, num comunismo que antecedeu espetacularmente a Karl Marx e Lênin, muitos foram os que subiram no toco: l, 2, 3 etc, até que ..tigum.
O toco afundou e derrubou toda a tripulação no rio. Assustados, alguns xingaram pra valer. Enquanto isso (já havia as diferenças individuais) outros gargalharam a mais não poder. Alguns riram de si mesmos pelo próprio malogro, ao passo que outros, ferrenhamente conservadores, riram pelo alívio de saber que o progressista e pioneiro na arte naval tinha dado um enorme rebate falso.
Mas em sua caverna, fitando as estrelas, aquele pesquisador sobre a evidência de que um pedaço de árvore sabia nadar, começou a imaginar como seria possível fazer um passeio com mais gente, sem que a madeira refugasse a alguns e aceitasse a outros. Enquanto isso, o pajé da tribo, sabedor da história por ouvir contá-la os seus fiéis - pois não havia feito a experiência por ser muito velho– disse que o único meio de saber quem era o responsável pelo primeiro “naufrágio” do grupo seria observar quando a tora rejeitava o atrevido e o lançava fora.
Esse infeliz deveria levar uma boa surra para retirada do demônio que estava em seu corpo. Bem, um outro“pré- cientista”, ( já havia concorrência na pré-história) num ímpeto de dialética, fez uma dedução curiosa e teoricamente válida. Certa manhã, enquanto devorava uma raiz qualquer, sozinho (ficava isolado para pensar melhor), viu diante de si um pedaço de árvore que um raio fez inteira em cavacos.
Conjecturou: ”isto é um pedaço de madeira. Madeira não afunda na água. Mim vai subir no último galho desta outra árvore (era um vegetal de uns 30 metros de altura ) e mim vai montar neste graveto, e saltar sobre o rio e mim não vai afundar.” (Ele achava – já naquele tempo - que tamanho não é documento).” Ih,Ih, Aí sim, a minha tribo vai ficar ainda mais admirada comigo do que ficou com o Jushim que nadou sobre um toco grande. Dito e feito. Voou do último galho do um milenário baobá, espantando pássaros de todos os tamanhos e cores e emitiu um enorme grito no trajeto.
Ah! Assim que bateu de prancha no rio imergiu para o fundo das águas. Salvou-o a habilidade no mergulho e da qualidade de nadador. Todavia, antes não soubesse nadar e nunca mais chegasse à margem do rio ! Sem contar as vaias dos seus camaradas. De pronto o pajé tomou de um chicote feito de couro de jacaré e mandou aplicar-lhe uma bela surra para retirar-lhe o demônio do corpo.
Pois bem, tivemos que segurar um pouco a história de como surgiu a primeira ponte, contando o por que demorar tanto tempo para aparecer na vida das pessoas o meio singelo de atravessar um rio sem molhar o corpo. E, melhor ainda, sem nenhuma taxa ou pedágio de qualquer natureza. Agora que já deu para se formar uma idéia de como era o povo que descobriu a primeira ponte, fica mais fácil entender como e porque ela surgiu.
Todos sabemos que os rios sempre são margeados de árvores. Se o homem deixar que elas cresçam. Eles deixavam. Geralmente as margens dos rios eram férteis e a proximidade das águas criava uma temperatura mais amena e mais úmida. Naquele tempo, como até hoje, isso fazia com que as plantas nascessem e crescessem com mais vigor e mais depressa.
Para aumentar essa fertilidade dos vegetais próximos aos rios, concorria um outro fator que favorecia as plantas. Falamos aqui da adubação.
Dizem algumas pessoas, que entendem do nobre ofício de lavrar a terra, que o adubo de origem humana está entre os mais eficazes, com resultados superiores ao do esterco obtido do estrume de aves, suínos, bovinos e equinos.
Aqueles nossos primitivos parentes, como sabemos muito bem, viviam muito à vontade. Não sabemos se porque não sabiam ainda confeccionar roupas, pois nem tecido eles conheciam, ou porque desejassem manter o bronzeado pela luz e calor do sol em tempo inteiro, o certo é que viviam completamente nus.
Porém, e aqui é importante prestar atenção, eles faziam suas necessidades fisiológicas de modo mais reservado. Sempre que um daqueles nossos antepassados, ainda índios, vamos dizer assim, sentiam uma dor de barriga, escolhiam ocultar-se sob uma árvore para esse ato escuso.
Tanto isso é verdade, que há um conhecido ditado que persiste até os dias de hoje. Veja porque: quando um índio entrava para esse ato oculto dos demais, e porventura havia um outro índio, ou mesmo uma índia, digamos assim, esperando vez para soltar o barro, era comum dizer ao sujeito que demorava para defecar: “ Ô, fulano, ou você caga, ou desocupa a moita”.
Tanto isso é verdade, que há um conhecido ditado que persiste até os dias de hoje. Veja porque: quando um índio entrava para esse ato oculto dos demais, e porventura havia um outro índio, ou mesmo uma índia, digamos assim, esperando vez para soltar o barro, era comum dizer ao sujeito que demorava para defecar: “ Ô, fulano, ou você caga, ou desocupa a moita”.
Esses homens e mulheres primitivos eram mesmo sistemáticos. Com toda razão alguém poderá perguntar: mas havia muito lugar para ir fazer as necessidades fisiológicas, por que todos iam para o mesmo lugar?
Boa pergunta, para a qual nossa pesquisa fornece uma explicação satisfatória. Tudo o que eles faziam era em conjunto. Em parte porque todo o grupo era uma só família. Não havia isso de pai, mãe, irmão. Não, eram todos parentes. Como havia poligamia e poliandria (mulher com vários maridos) ninguém sabia quem era filho de quem. Nem por isso alguém usava chamar a outrem de filho da p. Até porque não eram imorais como possa sugerir esta narrativa, provada pelos estudiosos de antropologia (ciência que estuda o homem em suas origens). Eles eram amorais, isto é, não havia o certo e o errado
Por essa razão, a tribo era mesmo uma família. Cada um gostava de estar junto com o outro. Só muito tempo depois os homens descobriram uma palavra pedante e egoísta chamada privacidade. Isso não havia entre os nossos primeiros moradores do planeta. Além desse afeto que nutriam uns pelos outros, a mulherada pelo meio, crianças saltitando, tudo misturado, havia uma outra razão, não menos séria, para que eles vivessem próximos uns dos outros.
Existiam muitas feras, animais perigosos, peçonhentos, e tudo representava perigo, pois era a lei da selva, mais ou menos como hoje, em que há perigos em toda parte, principalmente nas grandes cidades. Sim, hoje também as pessoas não se sentem seguras ao andar sozinhas. Imagine naquele tempo!
Se topasse com um leão ou um leopardo, um homem sozinho não era páreo para enfrentar o feroz felino. Mas reunidos em grupo, era café pequeno e a coisa se invertia. O tigre, o leão, o leopardo, ou fosse lá o animal que fosse, nossos valentes ancestrais enfrentavam e venciam. Alguns saíam arranhados, é verdade, mas lamentavam quando botavam o bicho pra correr. Gostavam mesmo é quando abatiam a fera e a devoravam.
Sempre em grupo, cantando e dançando. Nessa época ainda comiam carne crua. Não haviam descoberto o fogo, algo sobre o que informaremos no correr deste despretensioso livro. Bom, mas deixa pra lá. Vamos ver, sem mais delongas, como foi que nasceu a primeira ponte.
Por uma aldeia corria um rio de médio porte. Não esses que as represas de hoje deixam enormes, para gerar energia elétrica. Naquele tempo nem se pensava nisso. Pois bem, já vimos que em redor desse rio havia muitas árvores.
Certa noite, de céu encoberto por nuvens cor de breu, eis que a chuva não tardou a chegar. Mas, mais do que chuva, foi um temporal daqueles. Até mesmo não deu para o pessoal , como de costume, festejando a chegada das águas do céu, dançar e cantar sob aquele aguaceiro, semelhante a uma tromba d’ água.
Ficaram encerrados dentro da caverna. Criançada chorando e até marmanjos e marmanjas, de medo daquela fúria celeste. Talvez o deus deles – pensaram - estivesse bravo com alguma coisa. O pajé rezava, gesticulava, abaixava e suspendia a cabeça, mas nada pôde fazer. Até ele, o sábio, o mago, o feiticeiro, o mandachuva da tribo – o que mais queria era fazê-la cessar - estava ali sem assunto com o deus de quem se dizia íntimo.
Se esses nossos pioneiros fossem mais literatos, certamente teriam usado uma expressão que permanece até hoje:“ Durma com um barulho desses”.Vai daqui, vai dali. O dia amanheceu. O céu estava embruscado ainda, mas já era dia.
Tangidos pela fome do café da manhã, o único recurso foi sair da caverna e procurar o que comer. Pois bem, assim foi feito. Sempre em grupo, rumaram para uma árvore frutífera que conheciam de longa data. Ao que parece, talvez fosse um araticunzeiro, espécie de fruta do conde na versão caipira. Parece, ao que tudo indica, que era essa a fruta de época.
Que fatalidade! Bem que o pajé, em meio a um estrondo, notou de lá da caverna, onde também estava escondidinho, descer uma língua de fogo sobre aquela árvore, junto com o trovão que sacudiu tudo ao redor. Embora já meio surdo, também escutou o gemido da árvore a cair num estalo.
Cacique à frente – (era o mais valente e corajoso de todos) – nossos arquiavós tomaram o rumo do araticunzeiro. Foi uma decepção enorme. Havia dado um raio e a árvore se partira em vários galhos. Por ser de bom porte, seu tronco ficou numa margem (onde estavam os famintos primitivos) e, do outro lado do rio lá estavam os frutos a pender dos últimos galhos.
O pajé chamou o cacique para uma conversa particular. O diálogo foi mais ou menos assim: - “Mim, pajé (dizia batendo na cabeça, já alva de tantos janeiros) estar muito velho para fazer uma aventura no favor de nossa aldeia.
- Ah! Isso tá na cara que você está velho. Mas precisa ficar triste por isso? O céu lhe deu tempo de vida a mais pra você, justamente para você saber mais do que nós. Pajé pode dizer o que está pensando que o que for preciso fazer, mim, cacique faz – disse o chefe batendo no peito, com força, repetidas vezes. - Sabe, cacique? Nossa araticunzeira vai ter mais uma serventia. Você que é o mais forte , e como é costume, vai na frente do grupo. Caminhe por cima da árvore caída até o lado de lá do rio.
Assim fez o cacique, em altos brados, conduzindo os seus comandados. Todos passaram de um lado a outro do rio, sãos, secos e salvos. Melhor ainda: sem o cansaço, por dispensados de nadar. Claro que já haviam atravessado a nado para aquela outra margem, mas agora ficou muito mais fácil. Em lá chegando, comeram os frutos da árvore e voltaram depois, igualmente sem canseira. Assim foi descoberta, por mero acaso, a primeira ponte da história. Aliás, da Pré-História.
- Ah! Isso tá na cara que você está velho. Mas precisa ficar triste por isso? O céu lhe deu tempo de vida a mais pra você, justamente para você saber mais do que nós. Pajé pode dizer o que está pensando que o que for preciso fazer, mim, cacique faz – disse o chefe batendo no peito, com força, repetidas vezes. - Sabe, cacique? Nossa araticunzeira vai ter mais uma serventia. Você que é o mais forte , e como é costume, vai na frente do grupo. Caminhe por cima da árvore caída até o lado de lá do rio.
Assim fez o cacique, em altos brados, conduzindo os seus comandados. Todos passaram de um lado a outro do rio, sãos, secos e salvos. Melhor ainda: sem o cansaço, por dispensados de nadar. Claro que já haviam atravessado a nado para aquela outra margem, mas agora ficou muito mais fácil. Em lá chegando, comeram os frutos da árvore e voltaram depois, igualmente sem canseira. Assim foi descoberta, por mero acaso, a primeira ponte da história. Aliás, da Pré-História.
Nota do Autor: A mensagem que um texto sugere deve ficar a cargo do leitor, juiz em 1.a e última instância, sobre o que leu e entendeu. Embora um autor possa explicitar com mais elementos o que expressou ou tentou fazê-lo, sempre evito uma pós-análise sobre o que escrevo. Mas um leitor de Coreaú (Ceará), Sr Manoel de Oliveira, que muito admiro, (cabra macho, guarda de açude aposentado), quando leram esta história para ele, a opinião como leitor/ouvinte foi de que o mundo "já era difícil naquele tempo, mas havia mais liberdade". Quanto à ponte, ele acredita que o relato pode ser verdadeiro, mas que ninguém sobrou daquela gente pra contar a história. Um abraço ao Mané Guarda. Nós todos adoramos ele como um exemplo daquelas pessoas de fibra antiga, que envelhece como aço especial e não se verga sob nenhum pretexto.
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