Empresários, bancos, políticos e altos funcionários delinquentes. Mas a
regra tem exceções, claro
Publicado por Luiz Flávio Gomes - 3 horas atrás
1) Depois da Lava Jato e operações congêneres
nem o mais cético dos brasileiros pode ter dúvida: nesses quase 200 anos de
independência, sempre fomos comandados (tirando as exceções honrosas) por um
bando de empresários, bancos, altos funcionários e políticos ladrões,
delinquentes e aproveitadores do poder. Isso se chama kleptocracia (= sistema
de governabilidade dos ladrões e usurpadores).
Com k, kleptocracia é
neologismo. Até quando nós, brasileiros, vamos admitir viver num regime
kleptocrata quintomundista? Há algo de muito podre no reino da Dinamarca. O
risco nesses momentos de crise aguda e de descrença generalizada com os donos
do poder é a prosperidade da antipolítica, ou seja, dos populismos radicais que
estão rondando o mundo todo (e que pode trazer muita insegurança para todos
nós).
2) A Justiça está cuidando das roubalheiras
kleptocratas (das elites), mas seria importante um não retumbante da sociedade
civil, que vem dando esperanças de que queremos um novo país, ético (a
corrupção é o problema número 1 do Brasil, para 32% da população; 85% apoiam a
cassação de Cunha – DataFolha, julho/16).
Afinal, não ajuda em nada
para a imagem do país (em termos econômicos, morais, políticos, jurídicos etc.)
continuarmos como uma kleptocracia endemicamente corrupta. Se ela foi inventada
pelo humano, pelo humano pode (e deve) ser desinventada. Vamos mandar para a
cadeia ou para fora do jogo o 0,1% das elites dominantes kleptocratas.
Essa
geração e as seguintes têm que mostrar que o Brasil é muito mais forte que suas
elites podres. E que somos capazes de produzir novas lideranças (com
cromossomos éticos).
3) “As revoluções triunfantes são uma patada
em uma porta podre”, dizia o economista John Kenneth Galbraith (citado por N.
Shaxson, Las islas del tesoro, p. 13). Depois de décadas de falha
no controle, a patada na porta podre da kleptocracia foi dada pela Lava Jato
(que é uma microrrevolução exitosa contra as barbaridades delitivas das elites
empresariais, financeiras, administrativas e políticas).
Pode-se criticá-la,
mas não se pode negar que ela teve uma virtude insuperável: a de mostrar o lado
escandalosamente delinquente dos setores, grupos, facções e classes que mandam
no país.
Essa porta podre foi arrebentada. Está escancarada. Todo grande
financiamento eleitoral provinha da corrupção público-privada. Tudo isso,
claro, foi escondido nas campanhas marqueteiras irreais e fantasmagóricas, que
são feitas para manipular a opinião pública.
4) A partir da Lava Jato (como continuidade do
mensalão) foram reveladas detalhadamente as relações promíscuas e putrefatas
entre as elites (econômicas e políticas) que nos governam, que nos dominam, sob
o formato de uma grande organização criminosa (fruto de uma Parceria
Público-Privada entre Poderosos para a Pilhagem do Patrimônio e do Poder
Públicos – crime organizado P-8). Todos os sinais vermelhos foram
ultrapassados.
5) Os envolvidos, claro, devem ser
responsabilizados penal e civilmente de acordo com o Estado de Direito. Mais:
as regras do jogo econômico e político devem ser totalmente reprogramadas (ou
viveremos sob recessão eterna, que está nos levando à “haitização” dos espaços
e serviços públicos do país: colapso dos serviços, educação indecente,
imobilidade urbana, zika, insegurança, violência – boa parcela decorrente da
própria kleptocratia -, pobreza, vírus endêmicos etc.).
6) O estarrecedor não é saber que a
governabilidade no Brasil é regida pelos costumes e tradições saqueadores dos
donos do poder (kleptocrata). Disso muitos já sabiam ou, no mínimo,
suspeitavam. O inusitado é como esse sistema de poder sistemicamente corrupto
incrustado no âmago do Estado brasileiro não foi combatido antes com toda
veemência pela sociedade civil e pela Justiça, apesar de já estar completando o
segundo século de existência e depois de ter sido precedido pela kleptocracia portuguesa
que durou três séculos.
7) Como os intelectuais, os intérpretes do
Brasil, os sociólogos e os criminólogos, de um modo geral e de forma
contundente, não se insurgiram contra a realidade da kleptocracia (que vai
muito além da corrupção, porque ela é um sistema de poder)? Como que ela não
aparece nos relatos históricos, ainda que sempre tenha se sobreposto a todos os
sistemas de governo – Império, República, Ditadura e Democracia -, chamando-a
pelo nome? Se o combate a esse sistema de governabilidade começou em 2012 com o
julgamento do mensalão pela Corte Suprema, qual foi a mágica manipuladora que
escondeu da população durante 190 anos – 1822-2012 – a criminalidade organizada
praticada pela kleptocracia?
8) Com a palavra os especialistas, que podem
avançar mais explicações. Uma delas, evidentemente, reside no abandono pela
kleptocracia do sistema educacional público, notoriamente precário. A
cidadania, claro, se antagoniza com a kleptocracia. Quanto mais ignorância
melhor para a roubalheira. Daí a priorização informacional da mídia (TV,
jornais e rádios). Inserindo-se nesse rol também o mau uso das redes sociais.
Todos sabemos que esses meios de comunicação, quando mal usados, criam cidadãos
desorientados.
9) Giovanni Sartori (um dos cientistas
políticos mais críticos e mais sábios do século XX) afirma: “Não tanto por seus
conteúdos. É que o Homo videns [dos séculos XX e XXI] é
incapaz de fazer abstrações” (em La democracia en nueve lecciones,
edição de M. Bovero e V. Pazé, p. 133). Ele somente sabe o que simplória e
superficialmente vê nos meios comunicacionais citados. Um terço da população
brasileira não sabe falar nada e até mesmo nada sabe sobre a corrupção apurada
na Lava Jato (pesquisa do Instituto Locomotiva, jun/16, Valor Econômico).
10) Os conceitos de Estado, justiça,
liberdade, direitos [eu agregaria: kleptocracia] “são abstratos: como faço para
representá-los em imagens? Se perdemos a capacidade de abstrações, perdemos a
capacidade de compreender a cidade liberal-democrática [no caso do Brasil: a
kleptocracia] em que vivemos. No final do século XIX os trabalhadores liam
jornais e se reuniam para discutir política. Hoje só discutem sobre futebol.
Por quê? Porque o futebol é visível e suas regras são fáceis de entender,
enquanto a política [e, sobretudo, a kleptocracia onde ela está inserida]
requer um ‘pensamento por conceitos’ e para isso não estamos adestrados, porque
pensar com conceitos nos aborrece” (G. Sartori, citado).
11) De qualquer modo, enquanto o conceito de
kleptocracia vai sendo amadurecido, o certo é que os delinquentes, ladrões e
aproveitadores, integrantes das elites dominantes (econômicas e políticas),
devem ser tratados como tais e devidamente julgados pela Justiça, nos termos
das leis brasileiras, enfatizando-se os aspectos do ressarcimento e
indenizatório.
12) O empobrecimento – ou sufocação econômica
– dessa classe de delinquentes desqualificados (nos limites das regras
vigentes) é fundamental, pois do contrário perdura a sensação de que o crime ou
o enriquecimento favorecido compensa. Na Lava Jato, até agora, eles já
desembolsaram US$ 124 milhões e R$ 323 milhões, além de bens como imóveis de
alto padrão, terrenos, carros importados, lanchas e participações societárias.
Ainda é muito pouco, mas já é um avanço para a cultura judicial brasileira.
13) Mais: a Justiça (tanto nas ações de
improbidade como criminais) deve aprimorar seus mecanismos para garantir a
certeza do castigo justo, com celeridade. É abominável a lentidão do STF, por
exemplo, que até hoje recebeu apenas três denúncias no caso Lava Jato e não
produziu provas em nenhuma delas. A Justiça não pode ser kleptoconivente (ainda
que involuntariamente) com o crime organizado das elites empresariais,
financeiras, administrativas e políticas. A decisão política hoje do STF mais
importante é reforçar sua estrutura para que a ética volte a ocupar lugar de
destaque no país.
Professor
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente
do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de
Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). [ assessoria de comunicação e
imprensa +55 11 991697674 [agenda de palestras e entrevistas] ] Site: www.l...
Comentários
Geraldo,
faça um comentário construtivo para esse documento.
O velho ditado "Antes tarde do que Nunca", bem se aplica a esta onda moralizadora assistida ao vivo e a cores diariamente. O mais importante é que, malgrado com larga dose de merecimento, os políticos pagavam o pato por tudo e até o povo os vestia como corruptos, ladrões e imorais. O que de bom hoje ocorre é que nessa mesma vara que bate em Chico, bate em Francisco, e lá se perfilam empresários, banqueiros, rentistas e toda uma elite aproveitadora de benefícios governamentais, levando ao povo a achar que mistério era esse em que, num país tão rico e de gente tão criativa tenha que se sujeitar à condição quintomundista que vem desde o descobrimento nos idos de 1500.
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