TODO CUIDADO É POUCO



Gersino mantinha de hábito informar-se  por jornais, revistas, almanaques e programas de televisão sobre as muitas formas de doenças. Desde tenra idade cultivava essa mania. Seus pais, Vitorino Emerenciana legaram-lhe esse costume de associar causas e efeitos para explicar os óbitos de parentes, vizinhos e conhecidos.

 “Comer goiaba com semente dá nó nas tripas”. “Leite com manga (e vice-versa) vira veneno no bucho”. “Tirar a roupa e deixar no avesso na hora do banho dá ataque epilético”.Assim havia uma coletânea de superstições científicas que iam longe.

Seu Vitorino pontificava nesse magistério de asneiras, atento ao aprendizado do filho, dizendo passar a ele a experiência de vida que assiste, efetivamente,  aos mais velhos.

 Segurando a viola e dando uma pausa nos ponteios, lá sapecava o velhote instrutor:”Fruita de manhã é ouro, de tarde é prata e de noite mata!”. “Chinelo virado de sola pra riba morre o pai ou a mãe e se for o par morrem os dois”.  

  De seu não menos vasto bestialógico, Dona Emerenciana amiúde avisava Gersino:
-         Fiio, nunca leia depois da comida. É perigoso ter ataque de espuma  e até morrer.
Vitorino, descansando o cabo da enxada embaixo do sovaco, soltando uma fumaceira do cigarrão de palha, emendava: “Cabô de comê/garro/a/lê e morreu. 
O compadre Venâncio sentou de tomá uma cafiaspirina com leite, teve um tanguá e esticou as canela na hora.
 Compadre Chico da Serra foi pior: bebeu pinga com café pro causo de tosse e foi direitinho batê co rabo na cerca a mode um isparramo que deu nele! 

Exemplos não faltavam de como a morte não espera nada e como há coisas a se evitar para se continuar vivo.Bem fazia jus àqueles versos de Carlos Drummond de Andrade: “A cavalo e de galope, a cavalo e de galope, lá vem a morte chegando.”
Por essa razão, Gersino passou ver em quase tudo  um pretexto de morte. Já adolescente sentia aflorar certos apetites novos, os quais refreava, dizendo de si para consigo:
 “Do jeito que o mundo está hoje, não custa nada a gente pegar uma sífilis, uma gonorreia, cavalo de crista, mula e, para mais dos pecados, uma aids”.

Claro que Gersino foi aos poucos deixando de crer em muitas das superstições de seus velhos pais. Mas como acontece na maioria das vezes, travestiu essas manias em outras.

 Por conta da idade, por tomar muitas vitaminas, passou a engordar além do desejado. Adotou vários regimes para emagrecer. Adotou a prática de exercícios, sempre no dilema crucial de saber se não faria mal mexer demais com  o esqueleto.

Sempre estudando o assunto “causa mortis” constatou que o trânsito encabeçava a lista. Doenças cardíacas, violência urbana e um elenco de óbitos, naturais ou não.

Num lance de regressão à infância ouviu ecoar as palavras do seu finado pai, que morrera de velhice, como que envolto num novelo de fumaça do cigarrão de palha:

-         “Nãum diante fechá a portera adispois que a tropa escapô.

Chorou copiosas lágrimas pela saudade de seus falecidos pais.
 Tanto melhor:  pois lera numa revista especializada de medicina que chorar faz bem...


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