CONVERSA PRA BOI DORMIR

Para Crentes e Descrentes

     Vivi pequena parte da minha vida, até mais ou menos os 12 anos, num lugar paradisíaco. Uma fazenda situada num lugarejo chamado Timburi, região de Piraju, Estado de São Paulo, Brasil. O lugar era paradisíaco, com animais engraçados : cães que quase falavam; cavalos afetuosos, galos a cantar a cada madrugada, e lá pelo meio do dia, talvez para afirmar sua condição de rei do terreiro.

    Sim. Essa passagem da minha vida foi tão marcante, que trago-a diariamente à cabeça e, acho que mais ainda, ao coração. Digamos que seja algo da Alma, ou mesmo do Espírito, aquilo que é chamado o fôlego de Deus, e que a Ele retorna quando de nossa partida deste plano terreno.






     Meu pai foi um lavrador múltiplo. Xará do José bíblico, na profissão - a maior parte das vezes - de carpinteiro. Ah, fala-se que Jesus Cristo também exerceu esse ofício. Mas o José, meu pai, tanto manejava uma foice, com rara precisão, habilidade e eficiência. Seu roçado era rápido, eficiente e, (isso era próprio dele) por humildade, quando se distanciava muito no eito, ele arrumava uma desculpa para tomar água de seu ancorote (uma vasilha de madeira que continha água), a fim de não querer se passar por "melhor do que os outros", seus parceiros de tarefa.

    Carregar e descarregar caminhões, com 2 sacos de 60 kg cada um nas costas, não passava de brincadeira, enquanto muitos dos seus parceiros se vergavam ao peso de um só e sentiam o fôlego reclamar, as pernas bambearem e davam graças a Deus quando terminavam aquele trabalho de cão. Ou melhor, de burro de carga.

    Bom. Todo este preâmbulo, por maior que fosse, estaria justificado, pelo quanto nosso pai, meu e de mais s  3 irmãos, marcou a vida e a lembrança de tantas pessoas, mesmo sendo um homem calado, bom ouvinte e sempre sorridente. 

    Mas o tema proposto no título  foi estatística, me lembro bem . Coisa para o que meu pai, um jovem que chegou aos 80 anos, não dava a mínima. Cumpre ressaltar, que não era por ignorância. José Generoso era um homem perspicaz, analítico mas, acima de tudo, corajoso. Ele tinha uma coragem sem o mínimo de rompança ou exibicionismo. 

     Por esse tempo, por ser o primeiro e único neto de meus avós, acrescido ao fato de na casa da administração, que eles ocupavam, ter como pensionista, de hábito, a professora da fazenda .  Devo muito a elas -, graça a elas,  passei a ler, com regularidade, a  Revista americana SELEÇÕES DO READER' DIGEST,  fundada por Edgard Walace (se não me engano) . 

     Eram os tempos áureos daquela publicação. Todo o conteúdo vinha pronto dos Estados Unidos e cobria o mundo inteiro. E foi aí que comecei a me habituar, pela leitura, sobre estatísticas. Sobre probabilidades de algo acontecer, assim ou assado ou, simplesmente, não acontecer.

    Por exemplo (desculpe não recordar os números), mas lá vinha a possibilidade de se morrer de um raio, a percentagem dos que morriam de lepra e tuberculose; sarampo, febre tifoide etc. Cruz credo, nem é bom lembrar. E munido dessas leituras, eu ia até à roça, quando meu pai estava por perto de casa, e começava a contar pra ele: "Pai, por esta fazenda ser situada numa serra, o senhor sabe o que li? Que nós podemos morrer fulminados por um raio. Se andar descalço, assim na terra,  pode-se pegar vermes pelos pés, e isso  mata.  Comer carne de porco dá uma lombriga na cabeça que deixa louco e depois também mata. ".

   Pai - continuava eu - , e ainda mais paí, vai chegar um tempo (li no Almanaque do Pensamento) que o número de loucos vai aumentar tanto que a terra vai virar um hospício em forma de circo. Sem falar, pai, que essa doença ruim (a palavra  câncer não podia ser pronunciada) vai matar cada vez mais gente.  

    E por aí afora. Meu pai não descansava a enxada. Paf, paf, paf ...e continuava a trabalhar sem me dar muita trela, ainda que eu o percebesse de ouvido aberto e seu porte sereno, sua face sempre  pacífica.

   Talvez (concluo hoje) que ele até se sentia bem em saber que o filho era afeito à leitura, contava com uma professora 24 horas. Lá  na estiveram D.Odete, D.Maria José Shchimit Garófalo; Zenaide Viana, Odila Ferreira, Cinira, Luzia  Fagundes etc. A cada uma eu usava o termo familiar e respeitoso "tia". 

    Aquele tempo foi  muito bom.  Mas de tanto enfiar essas coisas gogó abaixo nas orelhas do
 meu pai, um dia, não bravo (ele não era de ficar bravo nunca) mas de modo bem franco, me disse, sobre as minhas previsões estatística (havia muitas que eu queria que ele soubesse) ele foi curto e grosso,

    - Olha aqui, menino, isso é conversa pra boi dormir. O papel aceita tudo. 

      Uma noite (não sei se em sonho ou visão extracorporal), com ele já falecido, encontramo-nos num conhecido posto de gasolina, da Rede Tavares às margens de uma rodovia. Ele estava como sempre fora, um pouco mais jovem do que quando nos deixou em definitivo, e me lembro, mesmo naquela espécie de sonho ou visão que ele já estava desencarnado.

     - Oi, Pai. Está tudo bem ? O que me conta da vida que está levando?

      - Vou bem. Lá é bom, sim. Mas o problema (disse com discreto contragosto) é que sou obrigado a estudar.
      - Sim, pai. Acho que o senhor tem razão, porque o senhor preencheu a sua vida inteira com trabalho, trabalho e trabalho.

       Respondeu-me satisfeito:
     - É. Eu também acho que é isso. 

        ESSE FOI O MEU PAI, JOSÉ GENEROSO DA COSTA.


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