TROPA EMPACADA


Na Fazenda Santa Rosa, no município de Timburi-SP, este fato aconteceu pela década de 1960 do  século passado. Nessa propriedade, antes da formação da represa da Usina Chavantes, havia nas imediações do Rio Paranapanema uma casinhola de madeira, muito modesta, de feitio caboclo e muito estimada de seus antigos moradores. Mormente pelos moradores da casa, Seu Livino, a esposa Dona Dulcides e o filho Abílio. Tudo transcorria na maior felicidade.  A  família via naquele pedaço de chão às margens do rio piscoso um paraíso que por nada trocariam na face da terra. Não é por ser meu torrão natal, mas sou obrigado a concordar que esse nomeparaísoainda hoje calha bem para Timburi.
Eis que Seu Livino morre de repente, ali pelas bandas de um arrozal, não sem a tempo do benzedor Quirino ter-lhe colocado um tição de fogo na mão direita, à guisa de vela para iluminar-lhe o caminho sem volta.
Abílio, o filho órfão criado,  passou a exercer a função de cocheiro. Pela distância que ficava da sede a casinhola onde viveu a vida toda, nem sempre ele chegava no horário de trabalho estabelecido. Por respeito ao finado  Livino, que aliás era seu compadre, o administrador procurou a melhor solução para que o rapaz deixasse de perder a hora como vinha acontecendo. Por sorte havia, nas imediações da cocheiraonde Abílio procedia a ordenha diária,  uma casa vaga. Prontamente aceitou mudar-se para a nova morada, mesmo tendo em conta de que toda a história de sua vida estava naquele rancho às margens do Rio Paranapanema, onde nasceu, viveu e cresceu.
No dia aprazado,  Seu Manoel – o administrador -  mandou o carroceiro Domiciano descer a serra e ir buscar os trens da família  de Seu Livino para a nova residência. Em chegando, em  poucos minutos a mudança estava toda sobre a carroça, pronta para subir o morro. Mas quem diz de a carroça sair do lugar ? Os burros tentavam uma arrancada, e outra,  e nada!
 Domiciano, o carroceiro, brandia o chicote em vão. Assim o tempo foi passando e tudo na mesma. Um burro, de nome Barão, que era do tronco, chegou a empinar em protesto e respondeu às guascadas com coices e manotadas.  Coincidentemente, não muito longe dali, estava o curador Basílio Quirino cuidando do arrozal, onde assistira a Livino em seus últimos momentos. . Não deu outra. Domiciano foi apelar ao curandeiro:
    - Seu Basílio, nãopara acreditar, mas o espírito de Seu Livino não quer esta mudança. Olha que minha tropa, não é por falar, é barra pesada e nunca empacou. Agora, de repente, os burros não saem do  lugar. Isso pode ser coisa de outro mundo.
Em breve chegou o curador em tom cerimonioso. Tirou o chapéu e aproveitou a deixa.
    - É. Ainda bem que estou por perto e sei lidar com esse tipo de situação. Isso é muito comum, mas eu sei como conversar com Livino e explicar a necessidade de a família mudar-se para a sede.
     -Gente – continuou o curandeiro - me dá  uma licencinha que eu vou ver o que o Livino está querendo me dizerMas pelo jeito não é nada grave não, ele está sorridente. Não sei se é porque ele gostava muito de mim, mas vocês não precisam se preocupar que tudo vai dar certinho.
    Seu Basílio foi para o canto da casa, perto do paiol e ficou uns cinco minutos. Voltou o curador como quem traz a solução, pitando seu enorme cigarrão de palha. A mãe, o filho e o carroceiro pareciam rezar pela anuência  pacífica do finado.
    - Domiciano - disse Seu Basílio Quirino com firmeza - o Livino  mandou  dizer para você  soltar  a correia do breque da carroça que tudo está resolvido ! Da  parte dele está contente em ver a família em lugar de mais recurso
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