42 ANOS DE AMOR - CARTA



Minha querida namorada:

Por mais este seu aniversário, cada qual deles muito especial para mim, e  lá se vão 42 anos em que você, pela vez primeira, invadiu minhas retinas e alcançou-me,  por inteiros, o coração e a alma.

         O tempo voou, me parece hoje. Mas arrastei horas dolentes, de cisma e dúvidas, porém com você sempre a me acompanhar. E de minha parte, sempre zeloso de sua presença, senti que a mesma se tornou tão parte de mim que não consegui – e nem me atrevi a tentar – esquecê-la ou diminuir esta atração que se fundiu como o sentido da minha própria vida.

          Numa  destas tardes, em que me assento sozinho na soleira  da porta, absorto no voejar  da fumaça do  cigarro,  aproximou-se de mim uma figura     a que todos chamavam sábio. Com efeito, a vida desse homem transparecia essa lucidez própria dos eleitos em compreender a vida e ensiná-la  aos outros.
         Eu poderia perguntar o que quisesse. Ele lá estava para  responder. Como eu nada perguntasse, ele indagou sobre aquele meu cismar visível e insistente.

         Respondi-lhe: “Hoje aniversaria uma parte de mim, que se encontra longe. É tão parte de mim que suponho já seja a minha maior parte.”

         Ele deu por entendida a minha mensagem, não tão direta e clara. Olhou  para o longe e o chão e  assim se expressou:
         “Sim, esta parte de que você fala, é mesmo parte legítima sua, mas  nada mais do que  criação da sua própria mente.  Eu até lhe diria que esse seu amor não tem nenhuma razão concreta. Contudo, se assim eu dissesse, o tornaria menos feliz. Por isso, não afirmo que essa mulher seja irreal, mas no significado que a ela confere você  em sua imaginação, se traduz em nada mais do que uma ilusão, a qual você   insiste em cultivar.”
        
Mestre – disse-lhe  eu : “Pode até ser que o senhor esteja com a razão ao afirmar que esculpi um mito. Mas, mestre, teci todo este amor com tudo o que nela há de melhor. Se ela não existisse, também não existiria esse meu ideal perfeito de tão profunda e elevada afeição.”

O mestre após este meu desabafo, me dirigiu uma  outra pergunta:
- Para você, qual a diferença do amor por esta mulher do amor por outras que,  porventura, passaram por sua vida, de forma mais ou menos expressiva?

Não me foi necessário mais que um segundo para emitir uma resposta, que até parecia pronta, tal a rapidez com que me surgiu do coração para os lábios:

- Mestre, não há diferença comparativa, porque uma vez entrada em minha vida, esta mulher nunca deixou lugar, em meu coração, para sequer a sombra de qualquer outra.

Por amá-la de verdade, nunca me foi necessária qualquer admoestação, de quem quer que fosse, sobre a dedicação que lhe deveria dispensar. Pontuada em meu silêncio, ela sempre foi a música da minha solidão. Apesar de única, nunca se fez monótona ou cansativa.

Amar é não cansar da presença. É dispensar todos os mandamentos, porque, quando verdadeiro, o amor não se cuida em atraiçoar ou praticar qualquer ato que diminua o ser amado.



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