BRASIL QUER JUSTIÇA! FORA CORRUPTOS

STF evoluiu, 

mas ainda é grande “aliado” 

da corrupção política no Brasil


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1) Os famosos áudios do Sarney (“vamos falar com Teori por meio do César Rocha”), Renan (“o acordão tem que passar pelo STF”), Jucá (“falei com ministros”), Machado (“O pacto tem que envolver os ministros do STF”), Mercadante (“Vou falar com Lewandowski”), Delcídio (“Vários ministros do STF estão envolvidos no plano”), Lula (“Fale com a Rosa Weber”) e Dilma (“Teria nomeado Marcelo Navarro para o STJ, com intermediação do presidente do STJ Francisco Falcão, para ajudar o Marcelo Odebrecht”) constituem um termômetro (sumamente preocupante para a cidadania vigilante) sobre o quanto são vulneráveis as instituições jurídicas (nomeadamente os tribunais superiores) em países extrativistas (saqueadores) e corruptos (cleptocratas) como o Brasil.
2) O quadro fica agravado e enodoado quando se sabe que os ministros dos tribunais superiores são escolhidos e nomeados por poder político. Piora ainda mais com o tal do foro privilegiado (foro especial). Da combinação do foro especial com a escolha dos ministros que vão julgar os membros do poder político eclode um manancial de suspeitas e de desconfiança, que se avoluma quando se sabe que os nomeados continuam mantendo reuniões – que não são nada oficiais – com os nomeantes (falo dos almoços e jantares não transparentes, no Brasil e fora dele).
3) O que está em jogo, como se sabe, é a independência do juiz assim como sua imparcialidade. Sem esses dois atributos o juiz não é juiz, é um simulacro de julgador, um falsário (como hoje são os juízes da Corte Suprema da Venezuela, por exemplo). No áudio vazado do senador Jucá (PMDB-RR), ele se referiu ao ministro Teori como “fechado” (difícil de ser abordado). Os caciques da politicagem nacional Sarney e Renan sugeriram caminhos para a aproximação (“via César Rocha e Eduardo Ferrão”), mas esses interlocutores nada fizeram (pelo que se sabe).
4) Para milhões de brasileiros e para a própria legitimidade das instituições jurídicas o melhor é que os ministros adotem a autocontenção, sobretudo neste momento singular do país (de grande instabilidade) em que a Lava Jato está chegando no miolo fundacional do crime organizado, estruturado por aqueles que sempre governaram a nação de forma extrativista e cleptocrata. Do ponto de vista institucional, a Lava Jato é a mais importante microrrevolução (de todos os tempos) e a sociedade não está disposta a jogar isso fora. O STF, como protagonista dessa microrrevolução, não pode retroceder no cumprimento dos seus deveres constitucionais de proteção do Estado de Direito e dos direitos fundamentais, do cidadão e da sociedade. Suas decisões importam para todas as pessoas assim como para o progresso institucional do país.
5) O momento crítico que estamos vivendo (que está correndo risco de sair da crise para o caos e deste para o colapso) exige posturas firmes, sem ser autoritárias, de todas as instituições contraextrativistas e combatentes da corrupção das elites/oligarquias dominantes, por meio das microrrevoluções (jurídicas, digitais, sociais etc.) do século XXI (que são desarmadas). A autocontenção requer dos ministros (e dos juízes) menos falatório e mais decisões no papel, mais demonstrações de independência, sem perder o senso de justiça, menos exposições públicas e mais credibilidade. Como bem expôs Joaquim Falcão, “Na verdade, hoje em dia, ser fechado pode até não ser obrigatório, mas é uma autodefesa necessária à legitimidade da instituição; a atitude que mais tranquiliza a cidadania é a da autocontenção” (Folha). Para a microrrevolução jurídica que está em curso, impondo limites ao exercício do poder (econômico e político) extrativista e corrupto, silenciar e fazer, espetacularizar menos e produzir com mais eficácia é muito melhor para o país.
6) Mais: impõe-se a estruturação de salvaguardas institucionais, porque nos países em que as instituições econômicas e políticas são extrativistas (leia-se: as elites/oligarquias dominantes, que se beneficiam do enriquecimento politicamente favorecido em virtude da sinfonia inescrupulosa entre os interesses públicos e os privados) o corriqueiro é que adotem, até onde as instituições da sociedade civil se mantêm coniventes, o estrito ou camuflado controle das instituições jurídicas (produção das normas, manipulação das investigações e dos processos e submetimento da Justiça, do MP, da Polícia e dos seus órgãos auxiliares). A operação “abafa tudo” anunciada pela cúpula do PMDB (veja os áudios vazados) constitui prova mais do que evidente de como funciona o carcomido e esclerosado exercício do poder no Brasil.
7) A Lava Jato (antecedida do mensalão), nesse contexto de corrosão institucional, constitui um ponto totalmente fora da curva, porque ela é que está impondo a submissão dos poderosos, acuando-os para que prestem contas das suas irregularidades e dos seus ilícitos. Depois da pena de morte (proibida no Brasil, salvo em caso de guerra externa), a prisão é o maior ato de submissão. Num país com tradição institucional hierarquizada, viciada e tendenciosa como a nossa, a microrrevolução da Lava Jato tem que se legitimar cada vez mais, e para isso deve atuar, dentro da lei, contra todos os partidos, políticos e empresários envolvidos na corrupção. A venda que aparece na imagem da Justiça é para isto: não interessa quem é o corrupto, todos devem ser investigados, processados e, eventualmente, condenados (quando há provas para além da dúvida razoável). Medidas preventivas, paralelamente, não podem ser negligenciadas.
8) Alguns números da (in) eficácia do STF são, no entanto, muito preocupantes. De 1988 (data da Constituição) até agosto de 2015 mais de 500 parlamentares (deputados e senadores, que contam com foro especial) foram investigados nessa Corte. A primeira condenação de um parlamentar somente ocorreu em 2010 (22 anos depois). De 2010 até 2015, 16 políticos foram condenados por lavagem de dinheiro, corrupção, peculato, lei das licitações, associação criminosa ou crime eleitoral (ver Congresso em foco).
9) Dos 16 políticos condenados, 8 já cumpriram ou estão cumprindo pena (Donadon, políticos condenados pelo mensalão etc.). Três recorreram e cinco foram beneficiados pela prescrição (por causa da morosidade). Ou seja: dos mais de 500 investigados/processados, sobram 11 condenações (muitos anos depois dos fatos – ver Congresso em foco). Ao mesmo tempo, ocorreram dezenas e dezenas de prescrições. Para não dizer centenas. Para cada caso de condenação prescrevem uns 8 ou 10 crimes (mais ou menos). Se de um lado não se pode medir a eficácia do STF pelo número de condenações, de outro, torna-se irrefutável proclamar sua ineficácia pelo número de prescrições (de Collor, Sarney, Maluf, Jader etc.). A falência eficacial é nítida. E é isso que deixa o cidadão muito desconfiado e indignado.
10) O STF vem manifestando preocupação com o efetivo controle dos poderosos extrativistas e corruptos (prendeu um senador em flagrante/preventiva, mudou sua jurisprudência para admitir a execução da pena depois do segundo grau – penso que isso deveria ser feito por Emenda Constitucional -, determinou o afastamento de Eduardo Cunha, recebeu denúncia contra ele, proibiu a tramitação de processos com nomes ocultos), mas os números apresentados continuam evidenciando um Tribunal (pela sua leniência, morosidade, falta de estrutura, bulimia etc.) que ainda não se desvencilhou das armadilhas institucionais impostas pelas elites/oligarquias econômicas e políticas. Continua ainda amarrado, apesar dos progressos, ao leito de Procusto “programado” pelo “sistema” extrativista e cleptocrata.
11) A realidade dos números nos revela que hoje temos dois sistemas judiciais no país (neste campo do controle da corrupção das elites/oligarquias): o do Moro e o da morosidade. O interesse manifestado por praticamente todos os políticos de ficarem na jurisdição do STF, como se vê, não se deve apenas à “morofobia”, sim, sobretudo, à “morosidadefilia”.
12) Os efeitos desastrosos dessa macabra realidade suas incalculáveis, porque tira a credibilidade do STF e gera desconfiança generalizada nos seus membros, ponto que é agravado sobremaneira pela forma presidencialista de nomeação deles. Na Operação Lava Jato, para se ter uma ideia, enquanto Moro já condenou mais de 100 pessoas, a mais de mil anos de prisão (claro que suas decisões podem ser reformadas, em virtude do duplo grau de jurisdição), o STF, até agora, só conseguiu receber uma denúncia (contra Eduardo Cunha). Dezenas de outras denúncias continuam pendentes.
13) Convenhamos, se estamos falando em microrrevoluções jurídicas e da sociedade civil (as quais, somadas, poderão fazer uma grande revolução tal como a da Inglaterra, em 1688, por exemplo), não faz nenhum sentido um ministro do STF presidir uma instrução criminal muito menos ser o presidente da fase inquisitiva (o que contraria inclusive jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos – caso Las Palmeras contra Colômbia). Se livrássemos a Justiça dos seus exotismos já seria um grande progresso.
14) Proposta de solução (urgente): nomear pelo menos uns 3 juízes para cada ministro da Corte para se encarregar dessas tarefas investigativas e instrutórias. Consoante informação do ministro Barroso, o STF hoje está com mais de 300 investigações em andamento e mais de 100 processos contra pessoas com foro especial (no ritmo atual do STF isso é trabalho para muitos anos, o que significa muitas prescrições). 

Paralelamente, adotar a ideia do ministro Luís Roberto Barroso de criar uma única Vara Federal especializada para os casos de Foro Especial, que faria todo o trabalho de primeira instância, assegurando-se recurso direto para o STJ ou o STF (conforme a autoridade processada). 

Se o STF não quer continuar sendo um involuntário mas conveniente “aliado” da corrupção política/econômica, algo de urgente deve ser feito (Luiz Flávio Gomes, jurista e comentarista do Jornal da Cultura às terças-feiras).

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