DESISTÊNCIA EM FALAR SOBRE O FIM DO MUNDO.


FIM DO MUNDO OU CONSTRUÇÃO DE UM NOVO ?

Geraldo Generoso


              Desde tenra meninice, na fazenda onde nasci e me criei, não havia nem rádio nem televisão.  Nem por isso faltavam novelas da rede social caipira, onde se sabia que um sitiante, um tal Zé da Silva, inconformado com o filho ter “feito mal”, ou “desonrado” a empregada da casa, obrigar o adolescente a casar-se com a  moça, no civil e, por excepcional liberalidade do padre da cidade, casar-se também na igreja. 

             Não sem destacar que, no máximo, a noiva casar-se-ia com vestido cor de rosa, por não mais se tratar de uma virgem.

                Não que a minha família, no caso os ascendentes, pais e avós, se regozijassem com esse drama.  Lembro que meu avô e padrinho Manuel Fontes, num gesto de solidariedade usual, tomou da montaria e rumou para o sítio do compadre Zé e lá esteve presente para apoiar os pais inconsoláveis.
 Ao saber que a infeliz (ou ditosa) noiva estava grávida, de pronto afirmou que era mais agradável comemorar uma vida que vai chegar do que uma que se vai para sempre.

                Diante dessas conversas, num tempo de tabu com relação à sexualidade, mormente em casos como aquele, que virou assunto das vendas de beira de estrada e até na cidade,  na condição de criança (não tão inocente como eles achavam), procurava manter sempre me manter o mais discreto possível, já que não havia o direito de fazer perguntas.

                Também meu avô sempre contava sobre um filme que ele assistira, há muito tempo, sobre o fim do mundo. Era gente correndo de um lado pra outro, sem lugar para encontrar refúgio. E que o mundo acabaria em fogo, já que Deus não repetiria a dose de acabar com a humanidade em um novo dilúvio. Talvez porque, segundo ele, os homens já haviam descoberto submarinos e acabariam por se safar do castigo do Creador.

             Assim eram as tardes, e pedacinhos de noites, já que dormíamos cedo, naquele paraíso que sempre amanhecia a trescalar o incenso das flores e o cantar difuso de muitos pássaros.

                Mas numa tarde, nosso avô resolveu exercitar a criação e a dedução para com aquelas histórias de fim de mundo, de que até a bíblia dava conta em seu último livro, o temido Apocalipse. Ele estava um tanto bravo, e apesar de muito bom, trazia um sangue espanhol dos mais legítimos – herdado dos pais – e acabou por tirar suas próprias conclusões. 

 Apesar de muito enérgico, com os de casa era muito liberal, até o ponto em que não se contrariasse. Gostava de dialogar, principalmente comigo, que sempre lhe dava corda nas suas histórias.

                Pois nessa noite, ele trazia no rosto a expressão feliz de uma descoberta. Deduziu que uma coisa não pode se acabar enquanto não for concluída. E, para ele, estava na cara, que Deus, o Criador, que ele respeitava demais, ainda não havia terminado o que tinha começado. E até dizia que a bíblia explicava que “para Deus um dia dura mil anos”.

            Como pode se acabar com um mundo destes. Em que não se educou todos os filhos. . Um mundo cheio de guerras que matam milhares e milhares de pessoas; com tantos ladrões, encontráveis até no governo; com tantos crimes acontecendo e gente até a bater em polícia, a quem compete a executar a lei. 
            E tanta fome, tantas crianças desnutridas, um mundo muito mal feito, que aos olhos de Deus, pela lógica, concluiu Manoel Fontes, “eu tenho absoluta certeza que esse fim de mundo tá muito longe, porque por enquanto, Deus nem terminou de cria-lo.
 

                

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