KARMA (PENSAMENTOS SOBRE) - PÁG 10 -13

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      Cabe-nos a opção entre ficar sob a ação da luz, ou permanecer nas trevas. O homem, ao correr do tempo, desde a descoberta do fogo tem procurado dissipar a escuridão. Escuridão que ele próprio povoou com gênios e almas penadas, filhos legítimos da superstição. O homem não deseja enxergar as próprias criações de seu pensamento, pois são aterrados as figuras que, na pedra opaca e fria do medo, o homem esculpiu individual e coletivamente.
      O engenho humano trouxe a luz elétrica; as cidades se iluminam ao por de cada sol; as praças se apinham de gente. Retângulos luminosos, num sorriso claro, enquanto a noite dorme sem sono de pesadelos e êxtases, a lâmpada acesa rompe o seio da madrugada, até que novamente venha o sol ferir com seus raios e retina do alvorecer.
      A dor também tem sido inquilina do homem desde os primórdios de seu aparecimento na face da terra. Misteriosa e pouco agradável,  tem sido inspiração para muitos e estorvo para outros tantos.

      Do mesmo modo que o homem (normal) fugiu das trevas, é natural que ele fuja da dor, e só a aceita quando esta lhe promete um bem ulterior mais intenso, real ou imaginário (ideal).
      A dor não pode ser medida, manipulada como um objeto, e dada à ortodoxia científica que vai de encontro ao anseio do ser que passa pela dor, esta é tratada pela cauda, isto é, julgada pelos efeitos que produz.
      Posso, perfeitamente, avaliar a sua dor de dente se já sofri de dor de dente; por outro lado não poderia avaliar uma coisa que nunca senti, embora isto seja conjecturável, por solidariedade inata até o mais cruel dos seres humanos se esforçaria em buscar ou indicar meios para suprimir a dor.
      Não podemos definir a dor como sendo ausência do prazer; tal axioma não procede e nem resiste a uma análise mais aprofundada.
      Há muitas espécies de dor, mas podemos dividi-las, abstratamente, adotado um critério universal como sendo: - pena, sofrimento, desgosto, mal-estar, angústia, tensão, ansiedade, medo, mal, etc.
      Há uma só dor, embora pareça ser múltipla. Se estivéssemos olhando o lado científico, então seria necessário concatenar e dividir, à exemplo do cientista, que tudo divide, mas não sabe enxergar o “UM” em tudo.

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      Tomemos algumas definições de alguns filósofos que se ocuparam do assunto dor, e no fim somaremos as opiniões para obtermos o produto de uma conclusão, partir desta conclusão caminhemos pela estrada da vida com firmeza, deixando que a dor fique às margens de nossa estrada, e se da estrada não nos desviarmos, ela pouco nos significará e não há de nos atemorizar tanto.
      A definição de SHERRINGTON é “a dor é um epifenômeno que se apresenta habitualmente nos reflexos desencadeados por estímulos capazes de prejudicar a vitalidade orgânica (reflexos nociceptivos)  manifestando-se mediante a execução de movimentos defensivos que tem igualmente lugar sem a intervenção psíquica, ou seja, no animal descerebrado.



      Sherrington afirma que a dor não depende da parte psíquica, mas fica no meio do caminho ao dizer que o psiquismo não tenha seu lugar na dor, seja ela qual for. Pois o animal descerebrado, ainda que sinta a dor (primária) não terá uma consequência psíquica ? Ou pode alguém sentir algo sem possuir sentimento ? Ou por outra: - como se pode sentir sem a parte sensível ? Neste caso, um cadáver estaria sujeito a dor, pois daí deduzimos, sem sombra de erro, que para existir a dor tem que existir o psiquismo, por mais primário que seja. Sem sensibilidade haveria dor ?
      Já BEAUNIS parece querer dar à dor um caráter heterogêneo, ao afirmar que embora a dor (para ele) seja como o sono e a fome uma manifestação global, nega-lhe unidade. Isto é, procura estabelecer os vários tipos de dores ao formular a tese que uma nevralgia do trigêmeo é diferente em sua sintomática com as manifestações de um ataque de asma, ou uma pessoa atacada pela raiva, ou de um pobre canceroso da pele. BEAUNIS, em seu minucioso estudo de caráter estritamente científico, alega que basta verificar as diferentes reações das pessoas acometidas de diferentes males para se chegar à conclusão da diferença existente entre os muitos tipos de dores.
      Elaborou, inclusive, uma escala:
      Dor física: De causas mecânicas: gravitativa, de tensão, constrição, torção, divulção, pulsação.
      Doenças: De diversas localizações mais ou menos precisas: calor, ardor (prurido), frio.
      Dor psíquica: De cansaço: indolência, prostração, desgosto, cansaço, desespero.

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      De detenção: decepção, perplexidade, vergonha, surpresa, confusão.
      De inação: confusão, ansiedade, insuficiência, temor.
      Beaunis, conquanto bem intencionado, apenas desseca, mas não consegue formular uma unificação. Por exemplo: eu sou de raça americana, consequentemente, sou diferente da asiática e vice-versa. Meus caracteres físicos e mentais são diversos do de um chinês ou japonês. Dentro da própria classificação de “americano”, como brasileiro, sou diferente, no falar e no sentir, de um chileno e este me é diverso também.
 Mas entre eu e um chileno existem traços relativamente comuns se eu e ele formos comparados a um norte-americano. Mas, tanto eu, como você que pode ser um japonês, chinês, tunisiano, francês, alemão, espanhol, italiano, judeu ou africano, temos algo muitíssimo em comum: - somos homens; e isto nos torna mais estritamente parecidos, semelhantes, se eu e você formos colocados perto de um macaco. Mesmo que nós três, eu, você, e o macaco estejamos comendo uma banana, até um marciano sentirá que eu e você pertencemos a um tipo biológico distinto do macaco.
      Assim também é a dor. A dor e as dores é a mesma coisa, embora os seus matizes sejam diferentes, todos nós sabemos que, por experiência própria, não é coisa agradável. Poderíamos coletar maior número de definições, mas não nos conduziria a nada que fosse realmente o nosso propósito para o presente trabalho.
      Nossa meta é unificar, e não dividir. Multiplicar conhecimentos para diminuir conjecturas vazias; desenferrujar o academismo laboratorial  e revestir com verdades claras e simples as páginas que nos restam. Por isto vamos dar um salto e um voo para desembaraçar o espírito, e a fim de espairecer a mente, o leitor está convidado para um agradável passeio de jipe. Depois iremos dar uma volta de avião. Passear pelos ares, ocupar por alguns instantes o vazio deixado por alguma águia sedenta que tenha descido do azul do céu para saciar a sede no azul límpido de algum rio na terra.

                                                   O JIPE

      Passei grande parte de minha infância num lugar maravilhoso, cercado de serras, cujos cimos esverdeados de vegetação pareciam tocar o céu e se traduziam num convite para galgar com o pensamento, alturas cheias de vertigem e abismos cheios de profundidade. Era uma aldeia agrícola, onde o aroma das flores que o cafezal desabotoava; o voo dos colibris travessos e o bulício sossegado dos animais, faziam daquele panorama uma paisagem cheia de vida! Paisagem que nenhum painel poderia traduzir em tintas e nenhum músico em melodia; nenhum poeta em versos. Era um todo harmônico e sereno.

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