KARMA cont. pág 14 a 17

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- O que é que estava “dentro” do corpo para movê-lo ? Alguma coisa saiu, e esta “coisa” é invisível, é a alma. A temperatura cai, o corpo entra em decomposição, e em tempo não muito longínquo será mero amontoado de cinzas... 


     O corpo nós sabemos que integrou-se aos demais elementos do universo, porque “nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”: - parte virou gás, parte foi para alimentar vermes, outra parte transmutou-se em outros elementos para, finalmente, determinar uma transformação total. Um belo corpo em um magro esqueleto se transformou, e do esqueleto, cinzas...

      O último parágrafo por certo conseguiu agradar  nossos amigos materialistas. Existem muitos modos de sermos agradáveis, mesmo que nossas ideias sejam divergentes. 

     Por esta razão não vamos ceder ante argumentos materialistas para granjear-lhes as boas graças. O materialista é um ser igual aos demais. Ele também tem suas meias verdades, deixemo-lo falar, até que ele se dê conta que a voz não é matéria e afeta a matéria; a luz não é propriamente matéria, no sentido estrito do termo, e no entanto, existe; o mesmo se dá com a eletricidade e o magnetismo.

     Já que falamos no destino do corpo, visivelmente separado da alma, e agora, o que dizer da alma ? Se o materialista duvida que ela saiu do corpo,  também podemos duvidar que tenha sido enterrada com o corpo. Ninguém assiste ao enterro da alma.

                                       ONDE ESTÁ O ANJO ?

      Em um dia que  vai distante no meu passado, mas cuja recordação vou me permitir em trazer para este livro, aconteceu um fato inspirador.

      Contava nesta época, mais ou menos, seis anos de idade, quando vi o carpinteiro da aldeia serrando umas tábuas; ajeitando-as com uma fita métrica e procurando encaixá-las pacientemente.

        Disse-lhe:
      - Rogério, você vai fazer uma carroceria de caminhãozinho deste tamanho ?
      - Não... eu... estou fazendo um caixão para um anjinho que morreu hoje cedo.
      - Então os anjos também morrem ?


       Vou perguntar à  Dona Maria José, professora,  se isto é verdade, pois não foi isto que ela disse. Nem falou que existem anjos na terra; disse-nos que todos eles estão no céu tocando trombeta para o Criador.

      - Ah! Ah! Ah! – Sorriu Rogério carpinteiro... É o modo de se falar, menino. Quando uma criança morre vira anjo. É o que dizem... A criança, como não tem pecado, vai direto para o céu.


      Olhei para o céu e não vi o anjo passar...

                                                       15

      Sentei-me ao pé de uma vetusta e florida paineira, fitei o céu de ponta a ponta. Via apenas contornos brancos de nuvens bordando o azul do firmamento. Lá fiquei por quase uma hora, até que desisti da ideia e disse:
      - Rogério, acho que o “anjo” já está lá no céu, porque não o vi passar...


      - Ah... Mas o anjo se torna invisível, não conseguimos vê-lo. É a alma que vai para lá, o corpo precisamos enterrar, não serve mais para brincar, correr e pular. Este menino agora não está mais neste mundo, está em outro, muito melhor.


      - Como é que você sabe que “lá” é melhor que “aqui” ? Eu acho que aqui está tão bom! Quero virar anjo quando ficar bem velhinho, ou então virar Papai Noel!


      O carpinteiro sorriu docemente, pousou a mão em minha cabeça e disse-me:


      - Vá brincar, menino! Vá brincar! – e uma lágrima espontânea, incontrolável, molhou o pequeno esquife inacabado.


      As crianças também possuem um certo grau de discrição.



Fiz-me de despercebido, embora desejasse perguntar-lhe o motivo de se ficar triste quando ele parecia estar certo que a criança morta   fora transferida para um mundo cheio de luzes, como me fizera crer com tanta facilidade.


      Zélio fora meu amigo predileto, bom companheiro para jogar bola, e brinquedos infantis. Correr com cavalos de pau.  Jamais imaginara que o falecido fosse ele.


      Disse a Rogério:
      - Está bem! Vou brincar... Se me chamarem estou na casa do Zélio.
      - Não! Venha cá. O que você vai fazer lá ? Zélio viajou...


      - Para onde, Rogério ? Você está ficando louco ? Apostei corrida com ele ontem e empatei. Eu vou sim... Vou jogar pião, tratei com ele que iria! 


      - Não! Não vá! Escute aqui... Vá passear com o seu avô.


      - Não, não vou. Ele vai muito longe e irá a cavalo. Disse que não posso ir com ele. Vou brincar com o Zélio.


      - Olha... Você precisa saber de uma coisa...


      - Depois você me conta... Agora eu vou na casa do Zélio!


      Zélio era quase meu único amigo, e eu quase único amigo dele.
      Não havia outras crianças com nossa idade. Jogávamos bola, rodava piões, soltava papagaios, espantávamos os animais para vermos correrem em disparada. Derrubávamos caixas de abelhas, na maioria com muitos favos e pouco mel; muitas picadas, rosto sempre inchado.


      - Venha aqui!... Disse calmamente, fingindo segurança – depois eu faço um caminhão deste tamanho para você; disse-me Rogério abrindo os braços.

                                                       16

      - Você faz mesmo ? – Perguntei.


      - Faço, faço sim!


      O silêncio petrificou o ar, e Rogério, mudamente pregava o caixãozinho. Só o martelo parecia dizer:


      - Zélio morreu... Zélio morreu...


      Intuitivamente percebi qualquer coisa; algo não estava na rotina.
      - Você sabe de uma coisa ?
      - O quê ? – Perguntei maquinalmente, quase sem curiosidade.
      - Seu amigo Zélio morreu. É preciso que você saiba, pois não posso mentir o tempo todo.
      - Mas, como ? Não é possível! Como é que ele não me disse nada ontem ?
      - Não disse o quê ?
      - Que iria morrer hoje.
      - Mas, ninguém sabe o dia que vai morrer! Disse e riu tristemente.
      - Mas, o Dr. Valter disse que o “seu” Braulino ia morrer e ele morreu mesmo, você não se lembra ?


      - Pois é... Porém o “seu” Braulino estava doente, o caminhão passou por cima dele e, do jeito que ficou, não escapava mesmo.


      - Não escapava de quê ? 


      - Da morte, oras.
      - E você, irá escapar dela ? (perguntei)


      - Não... Ninguém escapa da morte; todos temos que morrer!


      A última frase soou como uma campainha de alarme e compreensão. 

     
     Não foi um filósofo que me induziu a aceitar a inevitabilidade da grande passagem, foi um simples carpinteiro, e disse isto acreditando e aceitando o fato. 

    Contagiou-me com tal serenidade e, o medo da morte, desde este dia, morreu dentro de mim.

      Feita esta digressão, é sempre oportuno reativar o fio de nossa intenção ao redigir este trabalho. 


     Com alguns desvios do caminho de nosso propósito, voltamos à tecla de um estudo sobre as leis que envolvem o carma. No curso de nossa escrita iremos encontrando vestígios de um significado para a dor, e acima de tudo, encontrar uma razão para o estabelecimento da paz e da felicidade, quinhão legítimo de todas as almas que habitam o nosso mundo.

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