A NOVELA DA CRACOLÂNDIA

Viciados expulsos da Cracolândia deixam recado para a cidade
  Geraldo Generoso

O melhor das novelas da televisão são os desfechos. O bandido (ou bandida, olha aí o respeito à igualdade de gênero) acaba na cadeia ou no velório. O telespectador respira aliviado, satisfeito como  um onanista, comenta o final da trama e vai dormir tranquilo.
              Curiosamente, tudo se resolve no mundo ideal da fantasia, regada a polpudas verbas publicitárias, sem contar os encartes de merchandising onde, por calculada coincidência, se agrada (ou tapeia) o telespectador e ao mesmo tempo fatura um bom dinheiro.

            Aqui no interior, ainda há muros que servem de pedestal a diálogos entre vizinhos. Não raro ouço, não só entre as mulheres, mas também entre os homens, comentários sobre personagens, situações e, quase em consenso, todos sabem qual a melhor saída, o que deve acontecer para que, no mundo novelesco global, pretenso espelho da sociedade consumista, as coisas se resolvam, o mal seja vencido, o inocente seja liberto e o bem prevaleça por completo.
              Oras, pelo tom que empreguei no prólogo deste artigo, alguém pode interpretar que nutro ojeriza ao gênero novela ou à TV. Mas este não é o caso. Todavia,  que o tema me sirva de gancho para  desnudar uma questão bem atual que se desenrola num enclave da capital paulista, o bairro da Luz e imediações, alcunhado de cracolândia.
               Infelizmente, não se trata de uma novela, mas se arrasta, ainda que em poucos suspenses, como se fosse realmente obra de um autor de poucos recursos criativos.  O meu temor é de que a imprensa, daqui a pouco, aferindo  o cansaço dos leitores (tão prezados) possa mudar o interesse  para leituras  que possam motivar com mais propriedade os que acompanham o noticiário nas diversas  modalidades de informação.
              Li no “Estadão” de sábado, C-7, 28/jan/2012, que a “ Operação Centro Legal – ocupação da PM na cracolândia – espalhou usuários de drogas por 27 bairros da cidade de São Paulo.” Os moradores (os que insistem em ficar) já não suportam mais essa situação. Mas, ao contrário dos telespectadores de novelas, nem sequer lhes assiste o poder de  sugerir esta ou aquela medida política, mesmo sabendo que tudo isso não é mero caso de polícia, mas de Política na expressão mais exata e feliz dessa palavra.
              São 27 bairros. E sabe-se que a Polícia está usando até helicópteros para evitar essa diáspora de curta distância, enquanto a situação não apresenta qualquer expectativa de  solução.
          Logo abaixo, na mesma página, lê-se o título “Justiça paulista suspende de novo projeto de revitalização da Luz. Trata-se de um projeto de “concessão urbanística”, com a confessa intenção do prefeito Gilberto Kassab de (quem sabe?) “renovar o bairro onde fica a cracolândia.”
              Tal brincadeira urbanística pode montar a 355 milhões de reais para a Prefeitura de São Paulo. O projeto é “ passar para a iniciativa privada 45 quarteirões, mediante licitação, para obra de ruas, calçadas e praças...em contrapartida vendendo os imóveis.” E todo o desenrolar desse projeto – pasmem – está orçado ao tempo de 15 anos, envolvendo mais de 1 bilhão de reais.
              Oras, não são as ruas e as calçadas e as praças que estão doentes. Precisamos de humanização, não de urbanização como prioridade. Quem urbaniza são as pessoas. Cidade em sua essência é feita de gente, onde todos, presume-se, devem ser iguais. Onde merecem, ou requerem, pela própria dinâmica da democracia, mais socorro àqueles que mais carecem.
              Acolhendo Ação Popular contra a execução desse projeto, o juiz Adriano Marcos Laroca  deferiu liminar contra a execução do mesmo. Claro que as forças políticas reagirão com recursos os mais diversos.
Mas não haverá olhos para os infelizes, jogados num verdadeiro inferno (esse é o inferno real) da dependência química e psicológica que, com bem menos em recursos poderiam ser assistidos, retirados desse meio onde, podemos garantir, em hipótese alguma é o desejado por qualquer condição humana. Estamos no século 21, com todos os recursos terapêuticos, em matéria de produtos e serviços, ou mesmo que se criem instalações adequadas ao improviso dessa urgência, que pode perfeitamente, no mínimo remediar a situação dos dependentes e, também da maioria dos moradores que, só pela fato de ser maioria, tem a soberania de exigir uma solução em menor prazo e que, acima de tudo, sem exageros de apregoar o politicamente correto, respeite os direitos humanos, mormente num País que se diz cristão e democrático.

2 comentários:

  1. Muito oportuno esse post, Geraldo. Quinze anos e... UM BILHÃO DE REAIS... Quantas casas de recuperação desses dependentes poderiam ser construidas? Bem disse: o problema não é de Policia, mas sim, de POLITICA.

    ResponderExcluir
  2. Concordo, amigo Geraldo.
    Se aquelas pessoas estão amontoadas na Cracolândia, não precisam de urbanização, mas de um tratamento sério que ficaria, indiscutivelmente, mais barato!! O problema é que os nossos nobres políticos não teriam
    o mesmo retorno financeiro.
    Cabe a sociedade cobrar o bem-estar que lhe é devido.

    ResponderExcluir

Comentários sempre serão bem-vindos!
Para assinar sua mensagem, escolha a opção "Comentar como -Nome/URL-" bastando deixar o campo URL vazio caso você não tenha um endereço na internet. Forte abraço!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...