OTÁVIO: AS COMPORTAS DA SUA POESIA



Conforme observei sobre o meu amigo poeta, irmão Otávio Bueno da  Fonseca – de Piraju, do Brasil e do mundo, ele mantém um senso crítico afiado como uma navalha daqueles barbeiros antigos. Curiosamente, ele redige com rapidez, as palavras pulam de seus dedos como que dotadas de molas e até descem para o papel num vôo trêmulo como asas de borboletas.

              Todo escritor, mormente em seu lavor poético, ainda que tangido pelo dom, onde impera sobremodo o inconsciente – que vai a debulhar-se em imagens e sons, às vezes em caretas e gritos – é um processo que exaure forças e, ao poema concluído sobrevém um natural cansaço. Não sei se do cérebro, do coração ou da alma ou de todos esses atributos juntos.

              Feito isto ele deixa de parte a obra recém-nascida e já parte para outra, como uma parturiente insaciável, acostumada ao ofício, e eis que, em alguns casos, arranca a fórceps outras palavras que se fazem escritas, como se corporificadas nos símbolos gráficos.

              Ato contínuo joga tudo numa gaveta, como quem coloca os seus rebentos num berçário  e ali eles permanecem, ora por um tempo breve ou por períodos mais longos. Em suas tréguas de criação, revisita esses filhos que, a rigor, nem bem se lembra de suas feições, e aí começa a metamorfoseá-los, acrescentando, mais comumente suprimindo-os e, muitas vezes até substitui  suas caras e mantém  o corpo ou vice-versa.

              Que fiquem tranquilos os opositores de prática de aborto. Otávio não faz nem aborto nem eutanásia de seus filhos poema ou suas filhas-poesia. Mas muitas vezes os faz tão mudados que eles, ainda em tenra idade, reproduzem e geram outros, como células que se reproduzem pelos diversos meios ensinados pela citologia. .

              Assim, ele vai criando essa prole, que já é grande, por ele chamada de Proesia, mas insiste em deixar seus pupilos (poesia e prosa) resguardados numa redoma onde, de vez em quando  reabre e, sem qualquer restrição, vai lhes confeiçoando com novos termos, sinônimos que entende mais adequados. Toda  essa safra  do Otávio fica na sua tulha sem que ele a leve ao mercado.
           Esse é o estilo produtivo que elegeu para o seu estro. Ao mesmo tempo que sente pena de cortar alguns poemas que podem bem servir a um livro – difícil escolher um poema melhor que outro, e até me recusei  a essa tarefa, ele chega ao extremo de afirmar:” pouco me importo se tudo isto vai virar obra póstuma; o mais  importante para mim é que  se ganharem o mundo retratem o meu esforço exigente e que se portem como filhos educados e agradáveis aos leitores  que  porventura os acolhan.".”

              Não há o que afirmar se este processo otaviano é correto ou não. Esse é o estilo dele. E julgo válido, porque o dono da boiada é ele que  vai colocá-la na estrada, a seu ver, com a forma mais  perfeita possível, vacinada contra a aftosa dos lugares comuns ou de carrapatos de cacófatos e outros vícios de linguagem.
              Pela amizade que nos une desde os idos de 1966, na aprazível Estância de Piraju de meus estudos (e outras lembranças muito caras), eu aqui deixo este  apelo para que ele, Otávio Bueno da Fonseca, conceda  a emancipação aos seus filhos, retidos em seu colo por tanto tempo, e deixo-os correr mundo. Sei, por experiência de leitor e por vivência na área literária (embora pouquíssimo conheça de mercado editorial) que esses poemas, filhos de sua pena exigente, com toda a certeza, irão palmilhar longas terras e levar o frescor e o calor de seu estro a grande número de leitores de muitos lugares.
 

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