A CIDADE SILENCIOSA



Vivemos tão embriagados pela vida terrena a ponto de não darmos  conta de sua implacável efemeridade. Movemo-nos num torvelinho que nos ilude com sua aparente permanência. Vez por outra, praticamos um ato social de solidariedade,  para acompanhar ao último pouso,  o corpo de alguma pessoa que se despede do cenário humano.

Cruzamos o portal onde descansa uma multidão silenciosa. De pessoas que em seu tempo revelaram-se igualmente ansiosas e preenchidas de urgências a requerer-lhes cuidados a cada minuto. Moveram-se, quase todas elas,  por intentos e anseios que bem conhecemos e igualmente priorizamos em excesso. Por coisas e situações freneticamente buscadas não raro penhorando o próprio e melhor que a vida pode oferecer neste plano de manifestação.


O silêncio absoluto desses corações, a dormir sob os jazigos centenários ou covas rasas, atestam-nos à exaustão sobre a inutilidade de um sem-número de preocupações. De um rol enorme de apreensões  infundadas ou de temores sobre males que a vida não não nos daria  tempo e condições  suficentes para que ocorressem.

Ouvindo a voz do silêncio

Na cidade silente, de vielas estreitas e cruzes em procissão pelas quietas e ensombradas alamedas, experimentam-se um ambiente de recato e discrição, de reserva e sensatez. A solidão da necrópole, erma e queda em si mesma transmitem aos transeuntes do lado de cá a consciência nítida da transitoriedade da vida com todos os seus zelos.    

Nada mais que uma lousa tenta fixar em pouquíssimas letras, na mudez do bronze ou do granito, a dimensão da saudade no clamor silencioso da ausência.  Induz a cada passante a idéia de despedidas sem volta, algumas,  inesperadas, com lágrimas enxugadas pelo chão da relva.

Retornando ao burburinho

Mas, aos primeiros passos em retorno à cidade dos chamados “vivos”, todo aquele silêncio se desvanece e suas lições  se desfazem num átimo. Vêm à tona mil requisições do cotidiano: família, compromissos de trabalho, créditos e débitos, lazer, sexo, dinheiro, compras, vendas, um séqüito de reclamos inadiáveis nos quais nos mergulhamos de cabeça. Em nossa ilusão de abarcar o mundo, o mundo se apossa de nossa alma. Se por um lado é salutar, dentro dos limites, essa absorvente atração, esse fascínio que o carrossel das ilusões nos conduz, por outro nos subtrai a oportunidade de uma postura filosófica,  ou mesmo mística, que nos capacite a entender a verdade em dimensão de maior profundidade e significado.

Somos Todos Passageiros


Seria de bom alvitre que nos debruçássemos, de vez em quando,  sobre o mais fundo de nossa própria realidade. Entenderíamos que somos todos passageiros. Ignoramos o dia de nossa passagem e,  graças a Deus, desconhecemos a data de nossa transição irrecorrível. Mas a consciência  melhor disposta no entendimento dessa realidade, numa reflexão isenta e objetiva, lograríamos pelo tempo que nos restar, a dispensa de levar tão a sério a própria experiência terrena.

Até porque a vida é breve, nunca deveria ser desperdiçada em preocupações fúteis e zelos demasiados para com o amanhã que vai nascer do hoje mesmo.  Se aportamos  neste mundo para amealhar lições,  a primeira e mais importante deve ser aquela de viver a cada minuto com o coração sereno e a alma imune a seduções deste plano terreno. Assim a gente vive mais e melhor. Assim a vida realmente vale a pena.

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