PÁGINA EM BRANCO (Poema livre)

O que sugere uma página vazia?
A criança no limbo
Que jamais viu a luz do dia,
Abortada para toda dor
E toda alegria,
Insensível ao ódio ou a qualquer amor.

O que sugere uma página sem escrita?

Se pautada,

Risca-se de linhas perfiladas,

Horizontais, em retas  infinitas

Sem serem  fertilizadas

Por frases  nunca ditas.

Qual o significado de uma folha deserta?

      A indecisão do poeta

 Ou o silêncio do escriba;

  Tudo o que vem depois

Das letras de todos os que as escrevem

E passam a manter

O pensamento num céu nulo

Daquelas nuvens que destilam

A chuva do nunca ser...

        Ao contrário do que possa parecer, quanto mais uma pessoa vivencia a literatura - tanto por ler quanto para escrever, não significa que o tempo favoreça o improviso, como seria de se esperar. Há duas razões bem distintas para que isso aconteça, ou tralvez mesmo sejam interdependentes. O primeiro motivo é que a idade nos aguça o senso crítico. Uma pessoa na minha idade (63/2012), - sem qualquer jactância, pode afirmar ter lido e escrito muita coisa. Aquela veia explosiva, como um fio elétrico, que fazia saltar de meus dedos para a caneta ou para a máquina de escrever, aquela grande porção de letras nervosas, que a custo se acomodavam nos parágrafos, houve por conter-se em limites, decorrentes do próprio senso estético e de responsabilidade pelo que redige.

       Um outro fator que, se de um lado nos favorece com um acervo maior de conhecimentos e informações, até mesmo técnicas aplicáveis à arte de escrever, por outro nos embaralha a mente na dificuldade em eleger as palavras mais adequadas ao tom do discurso.

       Por essa razão, a síndrome da Página em Branco, terror dos universitários quando incumbidos de uma redação, - talvez até por outras razões -, mas também está presente entre os autores. Compus este poema, para expor, no conteúdo e na forma, a dificuldade que não é exclusiva dos neófitos da pena.