Nota: Comecei, na década de 1970, a tentar fazer os meus rabiscos. Dado o meu hábito de leitura de obras de Cordel, não deu outra. E aí acabei escrevendo esta façanha entre dois personagens principais: João Coletto e Zé Motta. Qualquer semelhança de prenome ou sobrenome fica por conta da mera coincidência. Também serve de pretexto a prestar uma Homenagem à minha querida terra natal, TIMBURI, no interior do Estado de São Paulo, onde nasci e vivi os primeiros anos da vida.
Geraldo Generoso – IPAUSSU-SP- BRASIL
Certa vez, num fim de ano,
Tive um plano na cachola,
Arrumei a minha trouxa
E botei numa sacola,
A minha tralha era pouca
Mas não faltou a viola
Sem nenhuma corda rouca.
Sem nenhuma corda rouca.
Por ser um rapaz solteiro,
Pra trás não deixei ninguém,
Eu ia lá pro sertão
Rever meu querido bem,
Às oito horas em ponto
Lá na “Luz” peguei o trem.
Antes de cruzar a porta
Rezei a minha oração,
Que a bisavó me ensinou
Com amor e devoção,
Pois mesmo sem madrugar,
Às vezes se encontra o Cão.
A oração é uma chave
Que abre, dos céus, a porta,
Assim a boa Eduvirges,
Há muitos anos já morta,
Ensinava que uma prece
Todo o mal da vida corta.
E vendo aquela violinha
O povo me perguntava,
Qual era o meu destino
E como eu me chamava:
“O meu nome é João Coletto”
Eu assim os informava.
Meu destino é Timburi
Na Zona Sorocabana,
Vou rever a minha amada:
A cabocla Sebastiana.
Depois de afinado o pinho
No vagão Segunda-classe,
O trem inteiro pedia
Que uma modinha eu cantasse,
Logo veio o bilheteiro
Que me olhando sorrateiro
Inquiriu sobre o meu passe.
A passagem foi pegando
Com bem pouca educação,
Percebi que não gostou
De ouvir a minha canção,
Pois seu rosto se franziu,
Mordeu o cigarro, tossiu
Em estranha contração.
Perguntei ao funcionário
Com habitual cortesia
Se ali como usuário
Ensaiar uma cantoria
Já que todo o lotação
Uma canção me pedia.
Com a natural cara feia
Foi dizendo em ar azedo:
- Já que estão te pedindo,
Umas três modas concedo
Contanto que essa zoeira
Termine o quanto mais cedo.
Isto significava
Um tempo bem limitado,
O povo ouviu a conversa
E ficou inconformado,
O bilheteiro ao sair
Acabou sendo vaiado.
Brevemente ele voltou
E assentou-se a um canto,
Com sua feição amarrada
Mostrava um jeito de espanto,
Ponteando a velha viola
De muitos vi rolar pranto.
Os seus olhos percorriam
Os dedos da minha mão,
Olhando para a viola
Com uma interrogação,
Por ver minha agilidade
No mudar da posição.
Então me disse: - rapaz,
Eu sou um violeiro antigo,
Da viola faço o que quero
Aqui em cima do umbigo,
Sou o rei dos desafios,
E os novatos eu castigo.
Sentia-me satisfeito
Com o povo ao meu redor,
Que me pedia bis
De uma moda em Lá Maior ,
Com toda aquela platéia,
É fácil fazer idéia,
Toquei e cantei melhor.
Dali a pouco ele voltou
Com uma viola na mão,
De laços toda enfeitada
Com grande ostentação,
Com fita de toda cor,
Vermelha, verde e marrão.
As fitas pendiam soltas
Como um estranho cometa,
E entre elas se via
Uma fita de cor preta,
Que, segundo a tradição,
Por mera superstição
É dedicada ao capeta.
Chegou pra perto de mim
Com enorme vozeirão,
E disse : - Violeiro fraco,
Vou lhe dar uma lição,
Ponho embaixo do sovaco
A sua melhor canção.
E continuou roncando
O papo enorme e gorducho,
-Da sua viola hoje eu faço
Uma polenta de bucho,
Acabo com a sua lorota
Já no primeiro repuxo.
Respondi à queima roupa:
-Gosto de competição,
Para mim você é sopa
De inferior macarrão,
Eu aceito essa disputa,
Mas quero deixar a luta
Para uma outra ocasião.
Ele deu largo sorriso,
Sua mão ficou inquieta,
E foi logo me dizendo:
- Não tire o nariz da reta
Pois tu tens que me provar
Pois tu tens que me provar
Que sabe viola tocar
E é de fato um poeta.
Respondi: - estou de viagem,
Eu não fujo da seringa,
Vou indo pra Timburi
Cantar na Festa da Pinga,
Se quiser te espero lá
Para ver se és baguá
E tirar a tua catinga.
Disse ele: - eu sou da hora
Detesto enrolação,
Já afinei minha viola
No sistema cebolão,
Aqui mesmo eu te arrebento
Tua viola vira um vento
Na boca deste “canhão”!
Ele era feio de sobra,
Caro leitor acredite,
Para fazer qualquer “cobra!
Perder a sede e o apetite,
Mas tenho fé na memória
Que não sofreu meningite.
Eu disse: - Tu és um peixe
Do anzol vou puxar a linha,
Depois não diga “me deixe”
Nem queira fugir da rinha,
Risquei a minha viola
Afinada em “cebolinha”.
Naquele vagão lotado
O povo se espremia,
O floreio do ponteado
Era só o que se ouvia,
E aquele som repicado
Até a voz do trem cobria.
Ele ficou espantado
Ao ouvir a rabequinha
Tinir tão alto em meus dedos
Ao ranger da palhetinha,
Ele arrancou a cartola
Tirou as mãos da viola
E alisou a carapinha.
O desafio começou
Em tom até amistoso,
Mas o tal não escondia
Estar bastante nervoso,
O seu rosto parecia,
Cruz credo, Ave Maria,
Ter as feições do Tinhoso.
D E S A F I O
João Coletto: Eu não sei qual é o teu nome,
Nem estou interessado,
Mas pelo que me parece,
Nem sequer foi batizado,
Nunca vi ninguém mais feio
Antes de ter te avistado.
Zé Mota : Sou chamado de Zé Mota
Hás de pagar alto preço.
Tomaste a mão pelos pés
Eu também não te conheço;
Não quero saber quem és,
Nem quero teu endereço.
Coletto: Meu endereço não dou,
Pra marmanjo como tu,
A minha casa é o mundo,
Cujo teto é o céu azul,
Mas sei que é ao matadouro
Que rodeia o urubu.
Mota : Urubu é o rei dos ares,
De ninguém vigia o sono;
Como carne todo dia
E não os restos do dono,
És um cachorro sarnento
Ao relento no abandono.
Coletto: Não insulte a bela ave
Em te comparar a ela,
A tua feição espanta
Até mesmo sobre tela,
O teu canto é um crocitar
De mau agouro à janela.
Ele estava convencido
Que ia me derrotar,
Foi então logo dizendo:
“Eu quero mesmo é apostar,
Mas nem dinheiro pra esmola
Tens aí em teu piquá.”
Respondi-lhe no repente:
“- Aposto qualquer quantia,
E se vivo humildemente
Não é por economia;
Se perder pago contente
E disso dou garantia !.”
Mota: Não fique só nessa prosa,
Que prá mim é safadeza,
Abra logo essa sacola,
Bote o dinheiro na mesa,
Ou então não se acanhe
De expor sua miudeza.
Coletto: Aqui está o dinheiro
Que trago nesta viagem,
É o fruto do meu trabalho,
Não, de rolo, ou agiotagem,
Aqui estou com um milhão,
Pode fazer a contagem.
Ficou um tanto sem graça,
Mostrou desapontamento,
Arrancou do bolso um maço,
Contando só deu quinhentos,
O povo que assistia
Vaiou-o nesse momento.
Mota: A aposta é de um milhão?
Tenho aqui quinhentos mil,
Do restante faço um cheque
Ouro, Banco do Brasil,
Tenho certeza que voltas
Com o teu piquá vazio.
Coletto: És nada mais que um papudo,
Pouco toca nada canta,
Deixe de contar vantagem
E roncar essa garganta,
Tu és somente um terror
Em hora de almoço e janta.
Mota : Eu como bem no jantar,
Melhor ainda no almoço,
Como igual um lobisomem,
Tenho estômago de moço;
E se você pouco come
É por ter vazio o bolso?
João Coletto: Pondo o dinheiro na mesa,
Já lhe provei o contrário,
Garanto minha despesa
Com o meu próprio salário,
Eu não sei o que é dever,
Nem empréstimo bancário.
Nem empréstimo bancário.
Mota : Encontraste neste trem
Tua mais dura derrota,
Tenho certeza que estás
Perdido na tua rota,
Pois inteiro, tu nás dás
A metade de um Zé Mota.
Quinhentos mil era a aposta,
O cheque não aceitei,
Peguei então o excedente
E no embornal guardei,
Tomando então da viola
Novamente a afinei.
Mota: João Coleto, o desafio
Prá você levou à breca,
Está tremendo de medo
No braço de tua rebeca,
Garanto até que sujou
Sua esfarrapada cueca.
João Coletto: Isto é apelação
De derrotado que abusa,
Depois de hoje o derrotar
Te mando embora sem blusa
Pois pelo que me parece
Nem cueca você usa.
O povo então bateu palmas
Numa grande ovação,
Zé Mota ficou furioso,
Arroxeou de feição,
Deu um pulo para a esquerda
E partiu para a agressão.
Porque era de mais idade
Da luta eu quis poupá-lo,
Mas ele veio com tudo
Avançando como um galo,
Apliquei-lhe um piparote
E então fiz por afastá-lo.
O velho deu um pinote,
Vindo em minha direção,
No que aparei-lhe o bote
Devolvi-lhe um safanão,
Apliquei-lhe um piparote
E ele estalou no chão.
Sendo, pois, de mais idade,
Confesso, até quis poupá-lo,
Mas por questão de hombridade,
Tive, afinal, que enfrentá-lo,
Rebati com habilidade
O seu coice de cavalo.
A encrenca estava formada
E não havia outro jeito;
Abri a camisa listrada,
Zé Mota fez um trejeito
Quando a medalha sagrada
Ele avistou no meu peito.
Levantou-se, à mostra o rabo
Avantajado e peludo
Fez-me ver que era o Diabo
Aquele ser carrancudo
Mas diante da cruz bendita
Quedou-se paralisado.
Deu um estouro e sumiu,
O trem ficou infestado
Com forte cheiro de enxofre
E odor de chifre queimado,
O vagão ficou vazio
E o povo foi dispersado.
Risquei na viola um ponteio
Que aprendi quando rapaz,
Na Fazenda Santa Rosa,
Com o Aparecido Vaz,
E enfim vi vitoriosa
A luta com Satanás.
Com protesto dos presentes,
Guardei a velha violinha,
Arrumei a minha mala
E outros pertences que tinha,
Despedi-me do pessoal
E rumei para a terrinha.
Nunca mais viajei de trem,
Mas da viola não deixo,
Embora naquele duelo
Eu senti tremer o queixo,
O Senhor foi o meu Guia
Do início até o desfecho.
Voltei para a minha terra,
O lugar em que nasci,
Não há nem longe nem perto
Um lugar igual aqui,
Este paraíso aberto
Que se chama TIMBURI.
Tem matas verdes e o rio,
Sem poluição a rodar
Por serras durante o estio,
Sem chuva nunca faltar,
Terra de gente de brio
Que faz desta terra um lar.
É um orgulho ter nascido
Em terra tão dadivosa,
Lugar de hospitalidade,
Do que espinho, tem mais rosa,
Terra que nos traz saudade
Cantada em verso e prosa.
E se poeta não sou,
Prá levar a esta Nação
O nome de Timburi
Em verso ou numa canção,
Desculpas não posso ter
Na falta de inspiração.
Sou nesta terra nascido,
Aqui a infância passei,
Tudo foi-me oferecido
Prá ser um poeta de lei,
De todos é o mais querido
Chão que no mundo pisei.
Oi tio, seu blog está muito legal, beijo Aline
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