O MATO OU MATO




CASO DE UM VELHO BOIADEIRO
 QUE DE LONGA DATA SE CONTA POR VERDADEIRO




Geraldo Generoso

O
 fato ocorreu na Ipaussu dos anos 60. Havia um senhor, a esse tempo já cinquentão, conhecido por seu temperamento irascível , de pavio curto. 

Chapéu quebrado nas abas, botas sanfonadas sem muito trato, não raro seladas com o estrume dos pastos que visitava em busca de comprar  gado para abate. Ainda não era o tempo do SIF dos frigrofícos, como hoje.

Por conta de sua carranca habitual, secretamente foi alcunhado pelo contraditório nome de Salvador Cusarrúim. De um lado, a palavra “Salvador” dispensa comentários, pois o termo ressalta como indicativo de um ser bondoso, solidário e extremamente altruísta.


O termo  “Cusarrúim”, por sua vez, sucedia em contraste absoluto qualquer ideia de cordialidade e bonomia. Não vem ao caso discutir a questão semântica deste personagem.

 Mas, à bem da verdade, e fazendo justiça à sua memória, Salvador Cusarrúim nada tinha de ruim no conceito da cidade. Era, isto sim, muito bravo. Um homem valente até à raiz do cabelo e que ninguém ousasse  tirá-lo  do sério - como ele próprio avisava.


Ele sempre repetia nas rodas que frequentava, que “por bem qualquer um pode me levar até para o inferno; mas por mal  não consegue me levar nem para o céu”.

Sempre prestativo, compreensivo com os fregueses, até mesmo tolerava  atrasos no pagamento de alguns que não andavam em dia com o crédito em seu pequeno açougue. 

A condição imposta  era sempre a de que o cliente justificasse o porquê de não lhe ter pago  o fornecimento mensal. 

Certa feita foi obrigado a viajar a Piraju para, às pressas, fechar negócio de uma partida de gado. Rumou, por volta das dez horas da manhã, para o Bar do Ponto, que então existia  na rua 7 de setembro,  para pegar o primeiro ônibus que passasse. 

Foi informado de que a então Viação Pássaro Azul dispunha de um micro-ônibus (o expressinho) que ia direto, sem passar por Bernardino de Campos e abreviaria o tempo do apressado açougueiro.

 Nesse mesmo instante o expressinho estacionou para apanhar a descida e subida de passageiros. Salvador Cusarrúim perguntou ao Nina, agente local da empresa de ônibus, se não daria tempo para ele, Cusarrúim, ir ao banheiro. O agente explicou:


- Ouça, Salvador, o expressinho é rigoroso  nos horários. Olha lá como o motorista está impaciente, com os olhos no relógio. A viagem é rápida...se você puder aguentar mais um pouco é vantagem, pois essa jardineira é um corisco e não para em lugar nenhum.

- Bom, Nina! Pra mim foi um achado eu poder sair daqui neste horário. Me dá aqui  a passagem e toma aqui o dinheiro!  Seja o que Deus quiser – disse Cusarrúim com sua voz forte e incisiva, apanhando no balcão algumas folhas de papel de embrulho.

Entrou para o coletivo e se assentou quieto numa poltrona atrás do motorista. Pensava consigo: “se a minha dor de barriga apertar eu mando o chofer parar e vou pro mato”.


Após uns 5 minutos de viagem, talvez pelos sacolejos do ônibus sobre a rodovia então em precárias condições, Salvador puxou a cordinha da campainha para que o motorista parasse o veículo a fim de aliviar os intestinos que reclamavam urgência de emissão compulsória.

Tão logo ouviu o alerta para sinal de parada,  o motorista conferiu pelo espelho quem era o passageiro desinformado do regulamento da empresa de que aquele pequeno ônibus não parava senão nos terminais rodoviários. 

E foi exatamente esta informação que o motorista prestou a Cusarrúim, com cara e modo de poucos amigos. O passageiro, indignado, enfezado, disse em altos brados para o condutor:

 - Pare essa joça, já! Eu preciso fazer uma viagem!Eu tenho que ir pro mato agora mesmo!Eu sabia que isso ia acontecer, por isso é que já me preveni com estes papéis de embrulho lá do bar do Nina.

 - Meu senhor - disse o motorista, olhando Cusarrúim pelo espelho – tenha paciência... eu não posso fazer nada. É ordem da empresa!

Mas um argumento silencioso, porém convincente, fez com que motorista mudasse de idéia, ao conferir no retrovisor um enorme parabelo  de cano longo apontado em sua direção. 

Parou o coletivo tentando recobrar a calma . O motorista dominou o carro, mas ante o perigo não conseguiu frear  a própria barriga, que o traiu em pleno exercício de condutor : um odor característico obrigou alguns passageiros a abrir as janelas para que o vento aliviasse um pouco a atmosfera carregada.

A esta altura, o passageiro Cusarrúim, a passos largos foi abrindo com as botas as moitas de arranha-gato, seguido de perto pelo motorista , com quem repartiu o papel de embrulho  que prevenidamente apanhara no Bar do Ponto para aquela serventia.

Só que, literalmente enfezado, Salvador não retornou ao micro-ônibus para a conclusão da viagem que julgara abreviada. De lá do mato exclamou alto e bom tom:

- Pode tocar essa desgraça! Deixe-me aqui que eu acabo de chegar a pé ! E nunca mais vou entrar nesse filhote de jardineira.








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