NATAL 2 EM VIUVEZ

Antes de aqui respingar as primeiras letras, neste Diário de Natal n.o 2, em que repasso o tempo de convívio com TONINHA, esposa mais do que querida, examino-me para o máximo de transparência, a fim de não me enroscar no lugar comum, dos tantos lugares comuns em que se incluem os que ousam ferir este delicado assunto.

     Ela era um sol na casa e ao derredor. O manacá plantado defronte ao portão. As flores que pareciam nascer por obra de um milagre. Não só as "marias-sem-vergonha", que bordejavam a nossa calçada ou o pequeno jardim ao fundo.

     Dia 4 de janeiro de 2016 completaríamos 30 anos de vida em comum e incomum. Posso me dispensar do uso do verbo no tempo condicional. Pois ela vive e convive aqui nesta casa, de forma invisível mas tão presente quanto visível estivesse.

    A rigor, seu declínio teve início a 13 de setembro de 2013, quando lhe sobreveio o que um neurologista definiu como AVC. A partir de então se demarcou um tempo diferente, mas ela era sempre tão a mesma, que insistia em ser a mesma "Tó" de sempre.

    De bom humor constante. De ombro largo, mesmo enferma até 8 de junho do fatídico ano de 2014, ainda amparava os desesperançados da vida, os revoltados com a sorte, os murmuradores contra a existência.

   Não assimilou a enfermidade. Reverberou a fé em frequência assídua de novenas e orações. Não maldisse, sequer por um segundo, os rigores dos males que se lhe achegaram. E sobrevieram cada vez mais importunos.

  Emagreceu mais que o dobro do peso. Pouco ou quase nada se alimentava, ainda que a tal se forçasse para se manter em pé, na luta da existência que comigo até então partilhara.

   Assim caminhamos sobre espinhos de apreensões constantes. Principalmente de minha parte. Às vezes no trabalho o telefone ou o celular tocava e eu estremecia. Sempre a secretária Luciana a me intimar para vir para casa que "Dona Toninha está muito mal".

   Não desfiarei os detalhes de seu calvário. Em resumo, só menciono que em 1 de junho, o médico Xavier II me chamou para informar:

 "Para usar de franqueza, sua esposa vai ser encaminhada para Ourinhos, mas não posso lhe oferecer qualquer expectativa de retorno. Está com um câncer do tamanho de um rim."

  Reconheci no jovem médico uma sinceridade comovente, mas nem por isso menos impactante. Naquela mesma noite, estando em casa para descansar um pouco, minha filha Dora telefonou-me para dizer: "Foi aberta a vaga para a Toninha no Hospital de Ourinhos, e ela quer falar com o senhor."

   Ciente que estava da dificuldade em se obter a vaga, mas já com os dizeres taxativos do médico , não avalio agora se me senti sequer mais aliviado pela notícia de obtenção de uma UTI, ou pela apreensão a enfrentar por aquela morte anunciada.

   Suas últimas palavras, pelo telefone, em tudo conspiravam para afirmar que era a mesma Toninha de sempre, a falar comigo, do jeito que era só seu, da entonação segura que era só dela. 

   Ao me dispor ir até o hospital para dela me despedir, soam-me claras na memória, quase ipsi letera a última mensagem que dela guardo, com saudade e ao mesmo tempo, com admiração e carinho.

   Ela assim expôs sobre a inconveniência de minha ida à Santa Casa para me despedir em sua ida para centro médico mais aparelhado:

   "Não precisa vir não. Estou de saída e, por sinal, no 192, o carro do SAMU.  O veículo e os profissionais, por conta de ser medicina de urgência, certamente precisam sair de imediato, e eu não gostaria de que por minha causa deixasse de ser atendido a alguma vítima de acidente. Pode ficar tranquilo. Descanse. Voltarei logo e tudo ficará bem."

    Não foi assim, na verdade. Dia 8 de junho, 6:30 h da manhã, me liga um concunhado e informa : "Antônia faleceu".

    A partir daí a vida virou no avesso. Avisei ao filho Gabriel, à filha (que dela era apenas de criação) e de repente, de bem casado me sobreveio a taxação indesejada de viúvo.

    Não me fiz de vítima, mas são insípidos os dias e saudade, essa palavra mágica, é insuficiente para traduzir em plenitude o sentimento deste vazio impreenchível. 

     Neste Natal de 2015, o 2º sem aquela que foi a complementação de todos os meus momentos - que com ela mesmo de infelizes passavam sempre a felizes, aqui estou aberto ao mundo, para silenciosamente comungar com todos quantos compartilhem a dor de uma ausência tão irreparável.

      Bom Natal a cada um dos leitores. Um Feliz Ano Novo aos que persistirem em acreditar que a vida não se acaba por aqui, e que o Criador não está ausente da Alma de ninguém neste ou em outros mundos.

Namastê. Não se pode dizer que uma pessoa morreu, quando, na verdade, deixou de viver para a Terra e nasceu a passou a viver na Eternidade. Um dia nos reencontraremos, sem esses hiatos inexplicáveis. Acima de tudo, como você dizia, querida Tó, "é para a frente que se anda." 
 

    

0 comentários:

Postar um comentário

Comentários sempre serão bem-vindos!
Para assinar sua mensagem, escolha a opção "Comentar como -Nome/URL-" bastando deixar o campo URL vazio caso você não tenha um endereço na internet. Forte abraço!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...