ANTONIO PRATA
10/04/2016 02h00
Talvez algum dia, nas
próximas décadas, você esbarre nessa crônica, pela internet. Talvez uma tia
comente, "lembro de um texto que o teu pai te escreveu quando você era
bebê, era sobre uma praça, acho, cê já leu?" Talvez eu mesmo te mostre, na
adolescência, vai saber?
Essa crônica é sobre
uma praça, sim, sobre uma tarde que a gente passou na praça, no dia 5 de abril
de 2016 (ontem). Não é nenhuma história extraordinária a que vou te contar. É
uma história simples, feita de elementos simples como é feita a maior parte da
vida da gente, esses 99% de que a gente desdenha, sempre esperando por
acontecimentos extraordinários.
Mas acontecimentos extraordinários são raros,
como a própria palavra "extraordinários" já diz, aí a vida passa e a
gente não aproveitou. Pois hoje você me fez aproveitar a vida, Daniel, por isso
resolvi te escrever, agradecendo.
Eu tava lá em casa,
triste de tudo.
Triste com os rumos do país, mais triste ainda com outras
questões paralelas inteiramente irrelevantes para a pátria, mas especialmente
doloridas para este patrício, então você cruzou a sala sorrindo no colo da
Jéssica e me deu uma vontade louca de passarmos um tempo juntos.
Falei,
"Queca, dá esse menino aqui, a gente vai na praça, eu e ele, vamos, Dani?
Só os homens?". Eu te botei no carrinho, descemos pelo elevador e ganhamos
a rua.
Você ia batendo as
pernas, eufórico, apontando as coisas e soltando seus grunhidinhos, como que
querendo me mostrar o que vê a caminho da praça, com a Jéssica, todas as
manhãs. Eu ia dando nome às coisas. É, Dani, é a árvore. É, é o carro.
É o
caminhão. As pessoas que a gente cruzava abriam sorrisos pra você e depois pra
mim. Nós sorríamos de volta, eu por orgulho, você por simpatia -você é assim
desde que nasceu, de bem com a vida, tão diferente deste teu pai, sempre
angustiado, aflito, procurando cabelo em ovo.
Chegamos na praça. Eu
quis te pôr no balanço, mas você me apontou o túnel de concreto. Te coloquei
numa ponta do túnel, fui andando em direção à outra, sumi de vista por uns
segundos e você deu uma resmungada, achando que eu ia te abandonar ali, mas
então me agachei e apareci do outro lado. Você achou aquilo hilário —"O
cara tava aqui, sumiu e apareceu lá!"—, deu uma gargalhada e veio
engatinhando até mim.
Fui te pegar no colo,
mas você se esquivou e olhou pra outra ponta. Entendi a brincadeira, corri até
a outra ponta, me agachei. Você me viu, gargalhou de novo —"Agora o cara
tá do outro lado!
Que loucura!"—, foi até lá, me mandou voltar e nós
ficamos perdidos nisso pelo que me pareceram horas: eu aparecia numa ponta do
túnel, você engatinhava até lá, eu corria pra outra, você vinha de novo.
Quando me dei conta
-não vou dizer que meus problemas tivessem sumido, que a tristeza houvesse
passado, mas...-, eu estava, como diria o poeta, comovido como o diabo.
De noite, deitado na
cama, eu me consolaria: esse mundo é uma tragédia, o Brasil tá ferrado e eu
também não me sinto muito legal, mas eu tenho um filho que põe sorrisos no
rosto de quem passa e que com algumas gargalhadas reconforta o meu coração.
Enquanto
isso, no quarto ao lado, você estaria se perguntando: "O cara sumia de um
lado, aparecia do outro, como será que ele faz? É truque? É mágica?".
Depois dormiríamos, acreditando que tudo iria ficar bem.
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