12 tipos de cliente do revisor de textos
Ana Elisa Ribeiro
Concordo com a Elisa em gênero, número e grau no que ela diz. Mas ao mesmo tempo me recordo das sábias palavras de meu guru indiano (por sinal analfabeto tanto em hindu quanto em português) o saudoso PRITAN SINGH:
"Geraldinho, se você for procurar ramo sem nenhum espinho só vai ter em mãos o que a maioria das pessoas tem. O perfume da rosa inclui o espinho, pois é uma defesa natural de que ela é dotada pela natureza. E dizia mais : "o suor do trabalho é salgado, mas depois faz a gente desfrutar de uma vida mais adocicada."
Vira e mexe, topo com um texto sobre como fazer revisão de textos. Em sua maioria, são dicas sobre questões gramaticais. Raramente abordam aspectos discursivos, mais amplos. Vão, quase sempre, da gramática normativa ao "causo" sobre um serviço. E me divirto com ambos.
Dia desses mesmo tive de procurar uma dica sobre hífen e prefixos em português. Outra hora bateu uma dúvida em inglês e mandei ver no tradutor do Google. Na verdade, a dúvida era de pronúncia. Pus aquela vozinha de robô para dizer como falar. Tecnologia me dá muita alegria, de vez em quando. Recebi um link de um blog e corri lá para ver. Eram dicas de como pontuar enumerações. Achei bonitinho e didático, mas faltavam exemplos. Quem, meu Deus, trabalha sem exemplos?
Vez ou outra, sou invadida por lembranças das aulas de Português do colégio. Deve ser porque a professora faleceu outro dia e me deu um baixo astral danado. Ela era ótima em gramática. Nunca esqueci algumas frases dela e os exemplos, muitos, vários, em profusão. Achava-a incrível porque era autora de apostilas de cursinho. E sucumbi quando ela me ensinou sobre estada/estadia e sobre "cada". Nunca mais isso saiu da minha cabeça.
Mas fazer revisão não depende só de saber gramática. Fui ver isso depois de adulta, já enfiada na profissão. Sim, é profissão! Tem uns caras que são pagos para ler os textos alheios. Precisam saber gramática, é claro, mas às vezes precisam ignorá-la. Também precisam ser discretos e cordiais. Dá uma vontade danada de xingar, mas não pode. E nesse sentido tenho minha ídola. Revisora experiente de uma editora mineira, minha revisora-modelo escrevia impropérios impensáveis para os autores, nas margens dos trabalhos. A gente morria de rir, de dar dor de barriga, mas tinha de apagar tudo antes que o autor visse aquilo. Era de "que anta!" para baixo. E a gente se esbaldava quando vinha um sonoro "Pelo amor de Deus!" diante de alguma frase. Mas ela também já morreu.
Revisor morre de quê? De desgosto? Não, não. Revisor morre de tédio, de cansaço, de estresse, de arrependimento por ter perdido o churrasco, o Natal, o Carnaval e o próprio casamento. É que prazo é prazo. E os outros só se lembram do revisor no final.
Bom, mas tem a vingança do revisor. Do mesmo jeito que vão dizer por aí que tem revisor que é gramatiqueiro, revisor permissivo, revisor poeta, revisor intrometido, revisor omisso, revisor incompetente, revisor-autor-frustrado, revisor picuinha, revisor isto e aquilo, nós também podemos arriscar umas categorias de "cliente". Vamos lá:
Mister/miss simpatia
Tem um tipo de cliente que é bacana demais. Começa com uma abordagem correta, simpática, respeitosa. Entrega o trabalho para revisão dentro do prazo combinado. Desconsidera finais de semana e dá um prazo humanamente razoável ao revisor. Não enche o saco durante a revisão e termina pagando full, no dia da entrega. Se bobear, envia comprovante por Whatsapp. Esse é pra casar. Mas nem sempre é assim.
Cliente volátil
Ler para ficar acordado
Cassionei Niches Petry
“O livro é o melhor travesseiro que existe”, disse o escritor chileno Roberto Bolaño (1953-2003), um dos grandes mitos literários dos últimos anos. A frase diz tudo sobre o objeto retangular com letras impressas pelo qual eu e tantas outras pessoas somos apaixonados. Mas esse “dizer tudo” implica também numa ambiguidade. Afinal, queremos conforto ou desconforto ao lermos?
A metáfora é uma figura de linguagem em que se utiliza uma comparação implícita entre objetos. Por exemplo, quando se diz “ela é uma flor”, está-se atribuindo características da flor à mulher: delicadeza, fragilidade, beleza, cheiro, etc. Essa metáfora, no entanto, por ser muito usada, se transformou num clichê, lugar-comum, chavão. Logo, não é mais criativa, diferentemente da metáfora de Bolaño.
Quais são as possíveis qualidades de um travesseiro que podem ser atribuídas aos livros?
Uma das características do travesseiro é sua maciez. Ao fazer a comparação, Bolaño estaria afirmando que o livro tem um conteúdo suave, brando, que traz prazer, que agrada a quem lê, que ameniza. Mas não é o que traz a própria literatura de Bolaño, que trata, por exemplo, de ditaduras como as do Chile e da Argentina – em contos do livro Chamadas telefônicas – e também da violência em cidades como Ciudad Juaréz, na divisa do México com os EUA, presente no romance 2666. Assuntos, portanto, bem pesados.
Podemos pensar no formato retangular do travesseiro, semelhante ao do livro. Como o travesseiro serve para acomodar nossa cabeça quando dormimos, Bolaño poderia querer dizer, então, que o livro é o companheiro ideal para “pegar no sono”. Logo, o escritor estaria corroborando a ideia de que ler é chato. Tão chato que leva o leitor aos braços de Morfeu. Será que é isso que um escritor diria?
Lembro-me de uma entrevista do mineiro Autran Dourado relatando o caso de uma leitora que ligou para ele tarde da noite, depois de acabar de ler seu romance Ópera dos mortos. Disse-lhe que não estava conseguindo dormir e que ele também não conseguiria: e soltou uma porção de palavrões para o autor.
Minha interpretação para o livro como travesseiro é justamente que ele deve ser desconfortável. A leitura deve nos inquietar, tirar o sono, nos acordar para a vida, despertar nossos sentimentos. Livros que confortam – como os de autoajuda ou religiosos – são livros que não me servem. O bom livro é o bicho-papão que não deixa ninguém dormir bem sossegado.
Este começa bem e termina sem terminar. Aborda, pergunta, orça, envia trecho para a gente avaliar, combina prazo e, de repente, some. Dissolve no ar. Deixa a gente à beira do caminho, inclusive depois de ter recusado outro trampo por conta do compromisso. Como adivinhar?
Caloteiro
Acredite se quiser, ele existe mas é raro. Este campo do livro, da revista, das teses e da revisão de textos não tem tanto cliente deste tipo. Em 20 anos de profissão, não passei nem duas vezes por esta agrura. Mas é preciso estar atento. Nem todo intelectual vai pagar. Imagina: você aceita o serviço, se mata de revisar, dia e noite, cumpre o prazo e o cara não paga. É dureza total.
Desconfiado dos infernos
Este tipo é bem comum. Ele aborda o revisor, faz orçamento, envia trechos, combina prazos, não chora preço, é tudo muito razoável. Mas aí, quando você entrega o serviço ou alguma etapa, ele quer se sentar ao seu lado e receber explicações - e aulas aprofundadas - de cada mudança que você fez no texto. Tudo, tudo. E aí ele começa a desafiar você, traz a gramática que ele usou na sétima série, consulta sites no celular, discute a regra ou o padrão. Não acredita de jeito nenhum na sua competência 100%. E você precisa ser cortês, andar na linha, porque queimar o filme, nesta seara, é ficar sem serviço por um tempo.
Marty McFly
Saudade de "De volta para o futuro"? De andar de Delorean? Então arranje um cliente como este. O cara - ou a fulana - chega junto, pede orçamento, combina tudo, ajeita o esquema com você, leva o serviço e paga. Mas aí, um mês depois, ela vem dizendo que ficou na dúvida, que a banca comentou e tal e que se você não pode "dar uma olhada de novo", isto é, ela volta do futuro ao passado e quer pagar uma vez só. Pois é. E dá-lhe cordialidade. É claro que se houver alguma falha mesmo, vale dar uma conferida. Mas e quando não?
Chorão
Este cliente já dá pra prever. Cumpre o protocolo todinho de aproximação com o revisor. Normalmente, as pessoas chegam por indicação, querem seu serviço porque ouviram dizer algo positivo. É, de fato, uma profissão de confiança (tem gente que não prega um bilhete na geladeira sem consultar o revisor preferido). Mas daí começa a avacalhação: prazo apertado, correria total, revisão feita, entrega, gol. Na hora de resolver o orçamento, o cliente quer desconto, quer pagar menos, quer dividido em dez vezes. Eu já tenho resposta pronta para isso: meu prazo de recebimento é na mesma rapidez com que fiz a revisão. Os prazos apertados também demandam pagamentos a jato.
Desnecessário
Abram alas, este tipo é meu preferido. Nem sempre ele fecha negócio, às vezes ele se confunde com o Desconfiado, mas não é. É melhor. Este é o autor/escritor que já sabe tudo. Ele liga e diz assim que eu não terei trabalho algum, que ele escreve muito bem, que sempre foi elogiadíssimo nas redações da escola, que está te ligando só porque a instituição exige, que nem precisava, mas que né... E você já sabe. É como se, salvando a proporção, você chegasse ao médico ou ao dentista já dizendo o dignóstico, o prognóstico e que o tratamento é uma grande bobagem. Revisor não mata ninguém, ainda bem. Daí você se ajoelha diante de tamanho talento, aceita fazer um serviço desnecessário e fica até culpado por cobrar a paga. Que honra, afinal.
Desgraçado sem cura
Sem ironia, eu me enganei. O melhor de trabalhar é este. Geralmente, sem estereótipos, ele é da área de exatas. (Muito raro um cara de humanas dizer coisas assim... ou assumi-las, especialmente os do Direito). A figura liga, chega, orça e fica um tempão alertando a gente sobre quão péssimo o texto dele é. Diz que nunca soube escrever, que odeia Português, que se deu mal a vida toda, que não sabe como passou no vestibular, que não tem ideia de como conseguiu chegar ao fim da tese, que vou sofrer muito, que meu trabalho deve ser um inferno. Bom, o Saramago pescou isso no livro A história do cerco de Lisboa. O revisor é mesmo um coitado que lê coisas que não mereceriam ser lidas nem uma vez. Mas acontece muita alegria também.
Atrasadinho
O cliente em foco tem problemas com o tempo. Já se aproxima dizendo que, pelo amor de Deus, só tem mais dois ou três dias. Tá. E eu? Que me dane, né? Tem uma tal de taxa de urgência que serve pra esses casos. Mas quem tem coragem de cobrar? Vamos lá. Negócios são negócios.
Compulsivo
Este cara me enche mesmo a paciência. A gente explica pra ele que a revisão é a última etapa da edição. Escreve tudo, termina e só me entrega depois. Se você mexer no texto depois da revisão, eu não me responsabilizo, ok? Mas ele mexe. Ele não aguenta. Ele não está seguro. Ele quer escrever mais e melhor. E fica enviando novas versões enquanto eu trabalho. E me dá ódio renovado a cada versão que chega. Pô, vou ter de voltar? Repassar para o outro arquivo? Retrabalhar? Pois é. Alguém pare esse maluco!
Licenciado
Mais um, mais um. O cara que tem licença poética para tudo. Qualquer maluquice que ele escrever será categorizada como "licença". Há quem seja até mais sofisticado e venha com o argumento do "neologismo", "produtividade linguística". #tamojunto, brô. Tem hora que não dá.
Revisor do revisor
Mas desculpem se pareci arrogante. Ninguém é perfeito e o revisor não seria uma exceção. Revisores erram, revisores nem sempre são bons redatores (creiam!), revisores precisam de revisores. O bom é que quando a gente trabalha em uma área, tem sempre colegas de profissão. Aí a gente liga e diz assim: "Cara, dá uma olhadinha pra mim?". E tenta um escambo, para não ter de pagar. :P
PS: clientes, podem vir. Este texto é pura diversão. Eu também os espero com todo carinho, caros e desconhecidos clientes. Mandem
para meu blog
braunaster@gmail.com
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