Ler para ficar acordado
Cassionei Niches Petry
“O livro é o melhor travesseiro que existe”, disse o escritor chileno Roberto Bolaño (1953-2003), um dos grandes mitos literários dos últimos anos. A frase diz tudo sobre o objeto retangular com letras impressas pelo qual eu e tantas outras pessoas somos apaixonados. Mas esse “dizer tudo” implica também numa ambiguidade. Afinal, queremos conforto ou desconforto ao lermos?
A metáfora é uma figura de linguagem em que se utiliza uma comparação implícita entre objetos. Por exemplo, quando se diz “ela é uma flor”, está-se atribuindo características da flor à mulher: delicadeza, fragilidade, beleza, cheiro, etc. Essa metáfora, no entanto, por ser muito usada, se transformou num clichê, lugar-comum, chavão. Logo, não é mais criativa, diferentemente da metáfora de Bolaño.
Quais são as possíveis qualidades de um travesseiro que podem ser atribuídas aos livros?
Uma das características do travesseiro é sua maciez. Ao fazer a comparação, Bolaño estaria afirmando que o livro tem um conteúdo suave, brando, que traz prazer, que agrada a quem lê, que ameniza. Mas não é o que traz a própria literatura de Bolaño, que trata, por exemplo, de ditaduras como as do Chile e da Argentina – em contos do livro Chamadas telefônicas – e também da violência em cidades como Ciudad Juaréz, na divisa do México com os EUA, presente no romance 2666. Assuntos, portanto, bem pesados.
Podemos pensar no formato retangular do travesseiro, semelhante ao do livro. Como o travesseiro serve para acomodar nossa cabeça quando dormimos, Bolaño poderia querer dizer, então, que o livro é o companheiro ideal para “pegar no sono”. Logo, o escritor estaria corroborando a ideia de que ler é chato. Tão chato que leva o leitor aos braços de Morfeu. Será que é isso que um escritor diria?
Lembro-me de uma entrevista do mineiro Autran Dourado relatando o caso de uma leitora que ligou para ele tarde da noite, depois de acabar de ler seu romance Ópera dos mortos. Disse-lhe que não estava conseguindo dormir e que ele também não conseguiria: e soltou uma porção de palavrões para o autor.
Minha interpretação para o livro como travesseiro é justamente que ele deve ser desconfortável. A leitura deve nos inquietar, tirar o sono, nos acordar para a vida, despertar nossos sentimentos. Livros que confortam – como os de autoajuda ou religiosos – são livros que não me servem. O bom livro é o bicho-papão que não deixa ninguém dormir bem sossegado.
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