ENFIM SÓS...



Desde os confins da longe  infância, pelo ouvir das primeiras histórias, em plena   inocência, persiste em mim esta  curiosidade santa de contemplar o esplendor do Teu rosto,  sem ousar tocar as fímbrias do Teu vestido.
O bastante seria uma visão apenas -  num abrir e fechar de olhos -   da Tua luz que brilha de eternidade a eternidade. Deparar-me-ia com a emoção estremecente, da cabeça aos pés do meu próprio espírito. Uma imagem luminosa capaz de apagar toda e qualquer treva - do meu passado, do presente e mesmo as brumas  do futuro sem fim.

Obriguei-me, ao longo da vida terrena, na  impossibilidade de contemplar  o Teu semblante divino,  ocupar-me tão só na observação  das Tuas maravilhas. Tão simples quanto misteriosas ao mesmo tempo.
Nos dias ensolarados, neste meu recanto tropical, posso sentir o Teu calor e a Tua luz. Nas noites – de escuridão e insônia -  ao simples  abrir  a antiga  janela, me  basta volver os olhos para o firmamento para, não apenas ver,  mas também “ouvir estrelas”,  como antes de mim o fez o imortal poeta Olavo Bilac.
Pude e posso,  contudo, a despeito de Tua proposital invisibilidade,  avaliar a Tua ação dinâmica e  permanente,  através da  Mãe Natureza, das mais diversas formas: na placidez da árvore, sobre quem depões o passaredo a dar-lhe a cada dia a voz e o canto. Sim, em beleza visível que se faz notória até mesmo aos mais desapercebidos.
Disfarças Tua presença no mendigo à minha porta; no médico  nalgumas vezes que me visitou; no entregador de gás numa  moto possante a trazer a chama de que um lar é feito ;  na balconista da padaria,  a entregar-me o pão nosso de cada dia.
E assim, poderia encher este caderno das tantas vezes que Te vi de modo indireto, oculto, em ciência a arte sem cobrança de direitos autorais, sem a mínima exigência  de qualquer reconhecimento. Um sublime anonimato impera em  Tuas muitas grandes e pequenas obras, de cujo testemunho, praticamente o mundo inteiro não se ocupa em proclamar. Sim, porque a maioria das pessoas, ainda, não consegue ler a Tua assinatura, mesmo tão visível nas obras de Tuas mãos.
O barco de minha vida, muitas vezes, singrou mares encapelados.  Não raro me defrontei  com  terríveis procelas, que na época  acreditei impossíveis de transpor. Tempestades devastadoras, a custo  fiz por apaga-las da memória,  pois à mera  lembrança de tais  investidas, ainda hoje me fazem sobrevir   arrepios e tremores.
Em termos existenciais, figurativamente, deixei atrás o alto-mar. Já percorri a maior parte de minha viagem, em que em mim depuseste a confiança de um digna  travessia, por mais turbulenta que fosse a trajetória. Confesso, com Teu perdão, que em algumas vezes, ante a fúria aparentemente soberana  dos  tufões, senti fraquejar a minha própria fé.  
As provações, todavia,  nada mais  fizeram do que forjar-me a alma, como o ouro  depurado no cadinho do alquimista. Sei ainda estar longe de corporificar a pedra filosofal.
Ademais, não me embala  a certeza da    imunidade a eventuais percalços  que me separam da ancoragem no porto final. Até porque, nas imediações do cais do desembarque, comumente se  precipitam  as aves de rapina, ciosas  de um marinheiro cansado, de carnes sovadas e melhor afeitas aos seus  apetites. Pode ocorrer que tais covardes predadores, useiros  em selar de dor a chegança ao destino final, estendam suas garras assassinas para imprimir suas marcas de torturante  aflição.

Podem  vestir suas penas com matizes terrificantes. Câncer, aids, Alzheimer, Parkinson ou mesmo aquele pássaro  esquálido e enrugado, visitante inevitável, mesmo em condições  relativamente normais, chamado velhice.

Ainda assim, por mais extremo que seja o desafio a ser enfrentado. Mesmo em meio ao cansaço infrene e à mortal fadiga, não descansarei as mãos do remo nem desviarei o olhar do céu que habitas.
Quando, feliz ou infelizmente, eu der  por concluída a jornada terrena, buscarei entre os que me possam informar: “onde se oculta Aquele a quem o céu e a terra proclamam a Sua glória?”

Algum anjo brincalhão, quiçá um ateu abençoado, pode até fazer troça com minha alma recém-chegada e dizer: “Ah, Deus  não existe, senão na cabeça dos poetas e dos sonhadores.”
Então gritarei bem alto: Pai, deixe de brincadeira e mostra-me a Tua face, ainda que já  me baste o  ter visto  tudo o quanto fizeste, lá de onde acabo de chegar. “Senhor, não afaste de mim o Teu rosto”.

4 comentários:

  1. Vitório Paiva Maistro22 de abril de 2012 às 12:25

    Parabéns mestre Geraldo, seus pensamentos nos ajudam a confortar um pouco nossa alma...
    Vitório Paiva Maistro

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  2. Nossa...que lindo!!! Parabéns Geraldo, pela dedicação e pelo amor em tudo o que vc faz!!

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  3. Querido amigo "GG"...somente uma pessoa com tamanha sensibilidade nos mostra através de palavras tão belas a essencia da divindade...fazendo com que nos aproximemos mais do Mestre ... algo assim com sinônimo de Luz..doçura..paz...amor...e alegria no coração. Um abraço meu amigo! Luz Sempre!

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  4. Oí. como está sr. Geraldo? Muito bom seu blog e cultura não tem preço. Boa sorte, Deus abençoe e proteja e sucesso. Hercilia

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