SEMPRE É TEMPO DE POETAR



Não posso deixar de destacar abaixo uma
coluna do escritor GERALDO MACHADO, 96
anos bem vividos no  Brasil. 



Geraldo Machado, num descanso das mãos sobre as teclas.



Tenho medo de raio


Neste domingo, 13 de dezembro, a mineiríssima e simpática poetisa brasileira, Adélia Prado,  está fazendo oitenta anos. Ontem, sábado, enquanto  eu lia a citada noticia, de imediato  o céu escureceu e começou uma chuva com vento forte e raios.

 No jornal, ao lado da fotografia, está escrito: Poesia que assombra. Senti um alivio e perdi o medo ao ver que uma mulher tão forte não tem medo do óbvio.

 “A senhora pensa na morte?" Perguntou Ubiratan Brasil.


Adélia Prado - 80 anos - Poetisa brasileira


 “Penso na morte todo o santo dia. Ela me ajuda a viver do melhor modo possível. Não há nisso nenhuma morbidez, pelo contrario, estimula bastante. É parte intrínseca da vida. Como ignorá-la sem prejuízo para nós? 




Esqueci-me dos raios e vi que se estou vivo e mais velho do que essa menina 16 anos. Daqui para frente deixo Adélia fala por mim, por nós. 

“Por que vivemos tempos tão cheios de desgosto”? Ubiratan pergunta.

 “Porque um tempo ausente de valores espirituais é um tempo de fastio e desatenção. Alimenta-se de amargura e tédio, que tentamos neutralizar com a estridência de tiros e espetáculos de sangue”. 

Deixo a Adélia e ao Ubiratan, um forte abraço para a aniversariante e agradecimentos ao jornalista que me ajudou a escrever este artigo oportuno e didático – sim, pois aprendi mais com a poesia do que com os raios. 

Esse medo – quase pânico – trago da infância como o umbigo. Minha mãe tinha duas crenças: uma espiritual e a outra, cósmica.

Nós, os filhos, nascemos e vivemos a infância isolados de vizinho, sem para-raios e cercados de mata, embrenhados no medo: meu pai cobrindo o espelho e a minha mãe rezava no oratório para Santa Bárbara e São Jerônimo.

 Nós deitávamos e cobríamos a cabeça, com medo dos relâmpagos. O vento, que mesmo com as janelas fechadas entrava pelo vão das telhas , apagava as lamparinas. Meu pai não tinha medo, calava e agia para nos proteger. 

O nosso medo era tanto que fazíamos uma cruz na testa com o polegar quando, nos dias de sol, ouvíamos o português matador de formiga, por qualquer motivo ou um simples desagrado, dizer raio-que-o-parta: Não era uma expressão de repulsa, mas uma blasfêmia – atraía raio como o “papagaio” de Graham Bell.

 Só perdi meus medos com a instrução, vivência e idade. Continuo tendo medo, não do tempo que os antigos divinizaram sob a figura de um velho com duas asas, para marcar a sua rapidez, tendo uma foice na mão para indicar a sua força destrutiva e, às vezes, uma ampulheta, emblema do contínuo correr dos anos. 




Esse medo que Adélia não marca no seu rosto e nada mais faz do que virar a ampulheta do tempo , este sim, mesmo divinizado não sabe esconder o seu rosto severo sob as suas asas. 

Vamos, eu te ajudo não deixar correr essa areia. Se eu pudesse iria buscar na Itália um galho do carvalho de Tasso (Torquato) e lhe mandar de presente. 

Sábado, eu ainda estava deitado, era cedo e ainda não havia chegado a chuva – dava para se ver pelas frestas do vitrô que a manhã estava clara. Ouvi o grito:

 “Olha a 'perua' do Asilo está passando pela sua rua pedindo a sua ajuda para os velhinhos que agradecem...

 Domingo eu vi Adélia Prado se apoiar no cotidiano ( e não na ampulheta, digo eu) e no religioso para criar poemas surpreendentes.” Eu e o Ubiratan Brasil lhe pedimos um poema para surpreender os velhinhos do Asilo. 

Será ouvida no céu donde não só raios partem os corações dos abandonados da família que fica com a “bolsa famigerada” e, os velhinhos com a esmola que a “perua” passa gritando: “Olha o Asilo, Asilo, Asilo...”

 Quem dorme com um barulho desse? Você dorme, Adélia?  “ A poesia tem a ver com a morte, que faz parte da vida. Tudo lhe diz respeito”. 

Respeitosamente, o meu abraço: Feliz Aniversario: e o meu presente:

 um pequeno galho do carvalho de Tasso.



Para

CcCco

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