É um adolescente como tantos outros. Estuda, lê gibis, vai ao cinema, pratica esportes. É louco por música. Duro, como tantos outros.
O pai é garçom. A mãe trabalha na lanchonete dos seus pais. O casal não convive muito bem. Criam o cara e sua irmãzinha com dificuldades, num apartamento apertado em um bairro afastado do centro. Aos 16 anos já faz uns bicos.
Não é um aluno muito dedicado. Não é alto nem bonito. Mas até que não vai mal com as meninas. Aprendeu que fazer uma mulher rir é meio caminho para conquistar seu coração.
Aos 18 anos, consegue entrar na universidade. Está trabalhando firme agora e fazendo um dinheirinho decente – seu senso de humor impressionou um comediante da TV e ele agora faz frilas, bolando piadas.
Acaba levando pau na escola e termina expulso. Nosso herói tem outras preocupações agora. Porque aos dezenove anos se casa com a namoradinha, de dezesseis.
Como tantos casamentos entre adolescentes, não tem futuro. Cinco anos depois, os dois estarão divorciados. Resta continuar batalhando. Ele escreve agora pra vários programas de televisão, bola cartuns e pequenos contos para revistas.
Cria coragem e encara o palco: aos 26 anos, começa a se apresentar em pequenas casas noturnas, contando piadas. Afina estilo e ritmo. Aos 31 anos escreve seu primeiro roteiro para um filme e estreia sua primeira peça. Ambos são comédias e sucessos. Allen Stewart Konigsberg se tornou Woody Allen. O ano é 1966.
Meio século depois, Woody Allen tem uma filmografia como diretor composta de 47 filmes. Isso é o que ele tem a dizer sobre sua carreira: “Não há razão para eu não ter feito grandes filmes. Ninguém vinha e me dizia que precisava fazer este ou aquele assunto, ou que queriam ver o meu roteiro, ou que não podia contratar determinado ator… Quero voltar para casa a tempo de jantar, tocar a minha clarineta, ver o jogo, ver os meus filhos. Então, nessas circunstâncias, faço o melhor filme que posso. Às vezes tenho sorte e o filme sai bom.”
Para quem trabalha com criação e comunicação, o livro Conversas com Woody Allen ( Cosac Naify - média R$ 56,00) é obrigatório. Fazer rir é difícil. Criar algo que faça rir e pensar e tocar o coração, tudo ao mesmo tempo, é genial. Allen consegue com frequência.
O autor, Eric Lax, vem entrevistando Allen desde 1971, em todo tipo de situação, quando Allen era um superstar e quando era fracasso de crítica e público.
Organizou o supra-sumo destes papos por temas: a ideia, escrever, atores, direção etc. São 468 páginas preciosas e hipnotizantes. Valem uma faculdade de cinema. Valem para quem escreve profissionalmente. Para quem vive de criar. Para qualquer um, no final da história. E é um livro bem engraçado.
São lições demais. Destaco duas, sobre trabalho e sobre o público.
Primeira lição: Allen diz que seu trabalho precisa ser divertido enquanto você faz, porque é o único prazer que você recebe daquilo.
Se ele for realmente prazeroso, você vai dar um jeito de fazer seu trabalho. Mesmo que as condições não sejam as ideais.
Por exemplo: Woody Allen não tem dinheiro para fazer seus filmes. Vai atrás de financiamento onde encontra. Odeia deixar sua amada Manhattan, a mulher e as duas filhas pequenas. Mas filmou vários filmes na Europa, porque lá é que está o financiamento, e adapta seus roteiros para isso.
E mesmo sem financiamento garantido, filma incessantemente. Todo ano escreve um novo roteiro e o filma. Alarga seus horizontes a cada nova produção. Foi criticadíssimo nos anos 80 por tentar fugir da comédia e fazer dramas.
Pois foi com um drama que conseguiu a maior bilheteria de sua carreira, Match Point, que rendeu US$ 80 milhões mundialmente. A beleza de Scarlett Johansson e Jonathan Rhys-Meyers ajudou, mas não explica - tá cheio de gente linda em outros filmes de Allen.
Segunda lição inesquecível: em toda sua carreira, Woody Allen sempre apostou na inteligência. É a base de toda sua criação. Do livro: “Sou dos que sempre acreditaram que o público é letrado, e pelo menos tão inteligente, ou mais inteligente, do que eu era.”
Por isso é que a obra de Woody Allen viverá para sempre. Se bem que como diz o próprio, “em vez de sobreviver nos corações e mentes dos seus semelhantes, prefiro sobreviver no meu apartamento."